Esse é apenas um dos problemas com o cálculo do PIB. Um de nossos maiores especialistas em economia agrícola, José Roberto Mendonça de Barros, declarou na semana passada que há muito tempo desistiu de entender o comportamento do PIB agropecuário nas contas trimestrais do IBGE. Outros especialistas se irritam com as persistentes diferenças entre as estatísticas mensais da indústria e os valores que aparecem no PIB trimestral. Outros ainda não se conformam com o fato de a produção do governo e de outros serviços ser computada principalmente a partir do crescimento populacional.
Essas reclamações não vêm de agora. Como palestrante convidado ao I Encontro dos Técnicos do IPEA, realizado no Rio de Janeiro em agosto de 2001, listei uma série de sugestões para uma agenda de pesquisas em macroeconomia. A primeira delas era o aprimoramento de nossas estatísticas econômicas. E a primeira providência que propus foi a criação de uma força tarefa do Ipea e do Banco Central para ajudar o IBGE a modernizar o sistema de contas nacionais — sugestão essa que não foi levada adiante.
De fato, já se vão 20 anos desde que, sob minha presidência, o IBGE passou a ter a responsabilidade pelo cálculo das contas nacionais, antes afeta à Fundação Getulio Vargas. Naquela ocasião, também trouxe da FGV para o IBGE a responsabilidade pelo cálculo da inflação, com a criação do IPCA. Mas, nesse caso, tive o cuidado de nomear uma comissão independente, composta por economistas e representantes de empregadores e empregados para acompanhar o cálculo do índice. (Para os interessados em história antiga, essa comissão se demitiu junto comigo, quando o governo, no chamado Plano Cruzado II de dezembro de 1986, quis forçar uma mudança metodológica no cálculo da inflação). O PIB, entretanto, continuou por muitos anos a depender de assessoria do governo francês, da qual muito pouco resultou.
Desde 1990, o IBGE tem melhorado bastante o cálculo do PIB, mas, seja por falta de recursos, seja por dificuldades burocráticas, seu meritoso trabalho nessa área continua a merecer aprimoramento.
Há dois problemas. O primeiro é a dificuldade de outros órgãos de pesquisa para antecipar ou reproduzir os resultados do IBGE. O caso dos EUA oferece um bom contraponto. Lá as consultorias privadas, a cada estatística que sai — sobre vendas a varejo, produção industrial, balança comercial, emprego, etc —, conseguem atualizar suas projeções do PIB trimestral a ser divulgado pelo Bureau of Economic Analysis no futuro. Quando as estatísticas do PIB saem (freqüentemente aproximando-se dos números antecipados), as consultorias têm condições de entender porque seus números se distanciaram ou não dos cálculos oficiais. Ou seja, a metodologia é conhecida, reproduzível e admite comparações.
Não é esse o caso do IBGE, como demonstra o recente resultado do PIB trimestral, que surpreendeu todo mundo — inclusive o Banco Central e o Ipea, que têm mais acesso à "caixa-preta" das contas nacionais do que as consultorias privadas.
Então, a primeira tarefa da comissão de especialistas seria facilitar o acesso aos procedimentos do IBGE, de forma que — respeitando-se o sigilo de dados comerciais individuais coletados pelo IBGE — o valor do PIB possa, com alguma confiabilidade, ser antecipado pelos interessados, da mesma forma que hoje acontece com a inflação, que não surpreende mais ninguém quando é divulgada. Trata-se, pois, de dar toda a transparência possível aos procedimentos de cálculo adotados.
A segunda tarefa da comissão seria sugerir um aprimoramento desses procedimentos, inclusive servindo como um apoio efetivo para o IBGE conseguir romper as amarras burocráticas e obter mais recursos para o cálculo do PIB, aproximando-o das melhores práticas internacionais.
EDMAR LISBOA BACHA é diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças e ex-presidente do IBGE (1985/86).PIB: crítica de economista a cálculo cria polêmica
Cássia Almeida e Cristiane Jungblut
RIO e BRASÍLIA. As críticas do economista Edmar Bacha à forma de cálculo do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de todas as riquezas no país) usada pelo IBGE, instituto que calcula o índice, publicadas ontem na coluna de Ancelmo Gois, causaram polêmica. A queda de 1,2% no PIB no terceiro trimestre, frente ao três meses anteriores, surpreendeu analistas. As projeções eram de uma queda entre 0,2% e 0,5%. Bacha atribui o erro a uma falta de transparência do instituto no cálculo das contas nacionais.
Estudiosos afirmam que não há caixa-preta nos dados do IBGE, mas afirmam que o instituto sofre com a qualidade das fontes primárias de dados.
— Não há caixa-preta. A metodologia do instituto está publicada. O que acontece é que o mercado financeiro faz suas apostas e, quando é surpreendido, acha que a realidade está errada. Houve a queda esperada — comentou Claudio Considera, professor da UFF e ex-diretor do Departamento de Contas Nacionais do IBGE.
Considera diz, porém, que há falta investimento em pesquisas econômicas pelo IBGE. O mesmo comentário é feito pelo economista Francisco Pires de Souza, assessor da área de Planejamento do BNDES:
— O IBGE segue metodologia internacional, mas o próprio cálculo de investimento pode melhorar. Não resta dúvida sobre a desaceleração da economia. Comparando o crescimento do PIB de 4,9% em 2004 contra as projeções para este ano entre 2% e 2,5%, é uma queda grande. Além disso, os dados serão revistos.
Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ, acredita que o debate é mais político do que técnico. Para ele, há uma tentativa que reduzir o impacto negativo do desempenho mais fraco da economia:
— São cálculos matemáticos simples. O IBGE atualiza a metodologia e base de dados sempre. Com juros, carga tributária e desemprego altos, seria surpresa se o PIB tivesse crescido.
Dentro do governo ainda não há consenso sobre o real desempenho da economia no terceiro trimestre. Há desconfianças de que os números da agricultura estejam superestimados. Mas fontes do Banco Central, do Planejamento e do Palácio do Planalto afirmam que isso não significa guerra aberta contra o IBGE. Integrantes do BC e da área econômica têm argumentado que uma avaliação final só ocorrerá com o resultado do PIB anual. O presidente Lula tem sido aconselhado a se concentrar no fato de que houve uma desaceleração e que é preciso fazer ajustes na condução da política econômica para o país voltar a crescer.
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