Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, dezembro 05, 2005

AUGUSTO NUNES Pagar propinas virou doença

jb

O advogado Walter Santos Neto produziu na quinta-feira um dos mais espantosos depoimentos entre todos os colhidos pela CPI dos Bingos. Liberado para mentir graças ao habeas-corpus preventivo concedido pelo ministro Sepulveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, o doutor Santos poderia dizer o que quisesse. Nenhum integrante da CPI, formada só por senadores e majoritariamente oposicionista, estava autorizado a dar-lhe voz de prisão. Poupado do perigo, o bacharel caprichou na fantasia.

Comprovadamente, a empresa GTech, multinacional especializada no ramo de loterias, contratou o advogado Santos, sócio do escritório de MMS, para ajudá-la a fechar contrato com a Caixa Econômica Federal. Comprovadamente, a GTech engordou a conta bancária do doutor, entre outubro de 2002 e junho de 2003, com R$ 5 milhões transportados em carro-forte. Comprovadamente, o depoente sacou R$ 10 milhões em dinheiro. Os senadores queriam informações sobre a origem e o destino da dinheirama.

As evidências indicam que pilhas de cédulas foram consumidas no pagamento de propinas a pilantras envolvidos nas negociações entre a Caixa e a GTech. Os inquisidores tentaram arrancar de Santos peças que faltam para a conclusão do quebra-cabeças. As perguntas procuraram desvendar um caso de polícia. As respostas desenharam o mais desconcertante caso clínico surgido ao longo das investigações. Santos jura que não é delinqüente. É só um doente.

Com fisionomia severa, revelou que sofre de um distúrbio de comportamento qualificado por psiquiatras de ''compulsão ou disfunção do gasto''. A moléstia induz o portador a esbanjar fortunas em aquisições dispensáveis ou empréstimos insensatos. O advogado afirma que não gastou o dinheiro em propinas e pilantragens financeiras. Apenas fez o que faz quem sofre dessa raridade circunscrita à gente rica. (Pobres não a contraem por falta de dinheiro. A classe média é imunizada pelo medo de acabar na cadeia).

''A motivação que sempre tive em relação ao dinheiro vem de uma deformação da minha personalidade'', explicou Santos. ''Tenho necessidade de ver o dinheiro, me sentir com poder''. A contemplação não é necessariamente demorada. A parte recebida da GTech, que o advogado atribui ao pagamento de uma ação por ele patrocinada no Superior Tribunal de Justiça, permite compreender melhor o comportamento do paciente.

Em poucos dias, garantiu Santos, R$ 3,8 milhões foram dissipados em empréstimos a amigos, vizinhos ou conhecidos. E também na quitação de dívidas pessoais, acrescentou. Como compreender que um homem endividado empreste quantias que lhe fazem falta? Isso o depoente não sabe explicar. Por isso mesmo resolveu tratar-se com o psiquiatra José de Assis Correia, especialista em profundezas mentais que faria bonito na CPI.

Santos também desperdiçou cifras notáveis com supérfluos caríssimos. ''Minhas despesas são chocantes, gasto muito com frivolidades'', lastimou o enfermo. ''O senhor me desculpe, mas está precisando é de um tutor'', ironizou o senador Antônio Carlos Magalhães. É um caminho a examinar. Se não for possível provar que Santos distribuiu propinas, o advogado Marco Aurélio Nunes da Silva acha razoável impor ao perdulário incontrolável ao menos um curador, como prescreve o Código Civil ao tratar da questão da prodigalidade.

É considerado pródigo quem gasta em excesso, imoderadamente, quem dissipa o patrimônio pessoal ou familiar. Segundo o artigo 1.767 do código, os pródigos são relativamente incapazes e sujeitos à curatela. Que se aplique a Santos a lei. Ou 171 bengaladas.

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