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Tratei do assunto na edição de outubro passado da revista Primeira Leitura (nº 44), mas a barbárie carioca, que teve a linha de ônibus 350 (Passeio-Irajá) como palco trágico, na quarta-feira, repõe o debate na ordem do dia. E a pergunta, a título de introdução, é esta: o que estamos nós a fazer no Haiti, com cerca de 2 mil soldados a policiar aquele país, enquanto os bandidos da terra fazem gato e sapato do Estado e tacam fogo no cidadão brasileiro com a mais absoluta, brutal e assassina sem-cerimônia? Mais: onde está o Estado que se permite ser superado pelos bandidos de outra facção e assiste, impávido, ao ritual de justiça feita com as próprias mãos, em uma operação macabra de marketing? Acordem, senhores do governo, que foram eleitos para ser os braços do Estado a serviço do cidadão. O Estado está sendo comido, e já não é pelas beiradas, porque os governos não têm políticas públicas que definam de onde partimos e aonde queremos chegar. A praga das soluções de ocasião, que nem esse estúpido oportunismo de enviar o Exército para o Haiti, está destruindo a capacidade de diferenciarmos o que é essencial e o que é acessório. Essencial, hoje, indiscutivelmente, é tomarmos o terreno público perdido para os bandidos. É uma questão de disputa territorial, especialidade constitucional das Forças Armadas e, no caso, atribuição clara do nosso Exército. É por isso que digo que o Exército está errado, e o governo erra mais ainda ao aceitar uma argumentação que as Forças Armadas impuseram à sociedade. Não é a repulsa das Forças Armadas em exercer a função policial que está errada. O equívoco reside na extensão que o argumento tomou, a ponto de jogar o Estado na inércia. Além do mais, gerou-se uma inércia contraditória. Haiti: missão policial Disse que a questão brasileira é de controle de território, especialidade das Forças Armadas, mas acrescento que essa seria a motivação primeira para convocar o Exército. Hoje, depois do caso da linha 350, a título simbólico, pois isso vem acontecendo com muito mais freqüência do que chega à mídia, produziu-se um agravante que justifica ainda mais a presença do Exército em certos morros, favelas e bairros: além dos territórios fora do alcance do Estado, que precisam ser reconquistados, os bandidos também se locomovem à vontade. Eles matam e se matam a partir de uma inédita liberdade de ação, a ponto de bandido vingar bandido e ainda fazer propaganda da "rapidez" como a "justiça" foi feita. Duas dezenas de bandidos cercam um ônibus, de uma linha qualquer do Rio, regam os passageiros com gasolina, acendem um palito de fósforo e transformam o veículo em uma tocha que mata meia dúzia de pessoas e deixa 14 delas gravemente feridas. Uma ação em represália à morte de um bandido. O comando da polícia, julgando que está apropriando a linguagem aos tempos de Bin Laden, chama a ação de "operação terrorista" – como se a população ficasse satisfeita e segura com o tom eloqüentemente dramático da declaração. Outro comando, o Vermelho (CV), captura quatro dos bandidos que incendiaram e mataram os passageiros do ônibus, metralha-os e "entrega" os corpos à sociedade dentro de um carro Meriva. O cartaz anexo à encomenda que ninguém pediu, mas muitos anseiam, dizia: "Taí os quatro. Nós não aceitamos terrorismo". Duas funestas opções A polícia tem de continuar a ser a tutora da segurança pública cotidiana do cidadão. De preferência, claro, libertada da ineficiência e corporativismo contumazes. Mas é com o Exército que os bandidos devem se confrontar na disputa pelo território que eles tomaram do Estado e do cidadão, que é quem está sitiado. Os bandidos devem, de preferência, se defrontar com o Exército brasileiro que treinou no Haiti – basta chamá-lo de volta, exercendo o governo Lula, diante da ONU, a soberania de que ele tanto gosta de falar. O Haiti deve ser um problema dos haitianos e de quem está mais livre de problemas cotidianos e economicamente mais capacitado para ajudar aquele povo. Nós não! O Exército desenvolveu a teoria da repulsa à tarefa policial quando o governo norte-americano tentou impingir às Forças Armadas latino-americanas como tarefa primordial o combate ao narcotráfico. A condução enviesada da discussão pelos EUA criou mais problemas do que soluções. É claro que as Forças Armadas não devem caçar traficantes nas ruas ou morros das grandes cidades, tanto quanto é pueril achar que em um país com a extensão do Brasil, com o tamanho das fronteiras terrestre e marítima, seria melhor gastar o dinheiro no social, em vez de empregá-lo no Sistema de Defesa Nacional. A ingenuidade política sempre cobra um preço alto. Mas, quando o tráfico envolve a transformação das nossas fronteiras em porta franca de entrada e saída do que quer que seja, a começar pelas drogas, isso tem, indubitavelmente, a ver com as Forças Armadas. Tanto quanto tem a ver com as Forças Armadas o fato de que porções do território urbano do país estejam fechadas à presença do Estado. E já são tão significativos a quantidade e o tamanho desses territórios, que agora os bandidos se locomovem entre eles fácil e acintosamente. O Exército não é polícia, mas só ele tem o treino e os instrumentos para expulsar bandidos de territórios e entregá-los ao sistema policial e judiciário do país. Bem como só ele pode cortar o espaço de livre locomoção dos bandidos. Não são casos de polícia Desgraçada está a população que mede e pesa o pragmatismo do bandido e a ineficiência e ausência do Estado e, igual e pragmaticamente, se sente protegida pela oferta do "Joca" da Rocinha. O Exército não pode fugir à tarefa de tomar o território do "Joca", uma tarefa constitucional, e se esconder por trás de uma definição tão extensiva do que sejam obrigações policiais que acabe virando espectador de cenas que começaram dramáticas e estão se repetindo de maneira trágica. Os governos, por preguiça e incompetência para liderar a formulação e execução de políticas públicas, acomodaram-se e acataram a definição equivocada do que seja a tarefa antipolicial das Forças Armadas. Governar é optar. O único que sabe o que quer é o "Joca" da Rocinha, que ditou o melhor ambiente para seus negócios e até delimitou o território de mando. [ruinogueira@primeiraleitura.com.br] |
Entrevista:O Estado inteligente
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sábado, dezembro 03, 2005
O Exército está errado; o governo, mais errado ainda Por Rui Nogueira
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