Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Miriam Leitão Dia seguinte

O GLOBO

Ontem foi só a ressaca. Na dolorosa quarta-feira, 30 de novembro, o Rio amanheceu com a notícia de mais uma barbárie na sua rotina de desgoverno, essa com requintes de crueldade; durante a manhã ainda, o IBGE deu a má notícia econômica de que o mergulho do PIB no terceiro trimestre foi pior do que a pior expectativa; a política encerrou à meia-noite o processo de cassação, sob acusação de corrupção, de um ícone da esquerda e da geração 68. Tudo num dia só.

O voto fatal de número 257 foi anunciado pelo deputado nada-Inocêncio de Oliveira sob um silêncio de opositores e governistas. Minutos depois, com o placar final, o presidente Aldo Rebelo proclamou o resultado de forma burocrática e estava consumada a carreira política de José Dirceu. Afirmações de que ele continuará forte na política valem tanto quanto a de que ele governaria da planície.

O fato deixou um travo melancólico. Foi todo ruim. O mais ingênuo dos brasileiros teria dificuldade de acreditar que uma pessoa centralizadora como José Dirceu permitiria que tudo o que houve antes, durante e depois das eleições de 2002 na tesouraria do Partido dos Trabalhadores fosse feito sem o seu conhecimento. Por outro lado, a cassação de José Dirceu é um trauma. Pelo seu meio milhão de votos e por sua trajetória.

O placar pode ser apenas a soma das "vendetas" pessoais, ou um marco de avanços institucionais. Se for só vingança contra o ex-grão-vizir truculento e poderoso, o país verá mais uma etapa da diminuição da confiança do eleitor em seus políticos. Avançaremos na construção da democracia se a descoberta do pagamento de propinas a deputados da base governista — que está absolutamente comprovado — fomentar a criação de métodos de controle, a transparência e a prestação de contas dos políticos e administradores públicos. Seis meses de crise política não podem ser subestimados pelo presidente da República, nem banalizados pelos políticos. O que aconteceu no Brasil é grave, precisa ter punição de todos os envolvidos, mas, sobretudo, permitir avanços institucionais. Do contrário, enfraquecerá a democracia. O risco ficará maior se o PT, em vez de fazer autocrítica, continuar culpando a imprensa, como fez o presidente do partido, Ricardo Berzoini, e como fizeram todos os ditadores desde o início da genial invenção de Gutemberg.

A economia brasileira afundou num trimestre em que as outras economias do mundo floresceram e brilharam. O contraste ficou maior. Ontem, por coincidência, estava marcado no Rio, na Firjan, um almoço em homenagem ao ministro Antonio Palocci. Foi agendado no auge da briga com a ministra Dilma Rousseff, calhou de acontecer no dia seguinte ao anúncio da queda do PIB.

— Não será um trimestre que vai nos abater — disse Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, presidente da Firjan.

O momento era para dizer coisas bem menos conjunturais ao ministro. Por isso, as paredes estavam forradas com enormes painéis mostrando gráficos da economia brasileira. A inflação média anual desde o governo Figueiredo mostra o tumulto inflacionário e a conquista real do país. Outro painel exibia a extraordinária virada recente das contas externas. Outro, a criação de empregos.

— O empresariado do Rio não vai se calar, nem se juntar àqueles que querem a volta ao passado — completou.

Na verdade, estavam lá também empresários paulistas, da ala divergente da Fiesp, como Cláudio Vaz, do Ciesp.

— Inovar não é fazer o que já foi feito no passado e deu errado. Não tenho nenhum problema de copiar o que deu certo — disse o ministro Antonio Palocci, confirmando o caminho da política econômica.

O problema é como explicar a queda do PIB. Um economista presente, José Márcio Camargo, acha que é passageiro.

— Estou muito otimista para o ano que vem. O consumo das famílias continua subindo, os salários continuam subindo, a inflação de preços administrados será bem pequena e o país não terá que derrubar em dois pontos percentuais a taxa anual de inflação, como fez em 2005, e os juros estarão caindo ao longo de todo o ano — disse.

O diretor do BNDES Roberto Timotheo da Costa não está tão certo. Ele acha que o movimento no BNDES confirma a queda de investimentos que foi registrada nos dados do PIB. Um executivo da Anglo América contou que está desistindo de empréstimo concedido pelo BNDES porque a empresa não fará mais um investimento que pensava fazer em Goiás, no setor de fertilizantes. Mesmo com a queda do dólar, o déficit comercial do setor químico reduziu em US$ 1 bilhão. Isso não é uma notícia boa; na verdade, é falta de demanda.

O ministro Antonio Palocci disse que a crise política afetou a economia:

— Isso não significa que não devam ser feitas as investigações devidas. As instituições têm que dar suas respostas.

Nas ruas do Rio, a barbárie aconteceu no meio de mais um afastamento da governadora. Ela tem problemas de saúde, mas pareceu saudável nos prematuros atos de campanha do marido aos quais compareceu recentemente. O Rio vê bandidos queimarem pessoas dentro de um ônibus, inclusive uma criança, sem ouvir uma palavra de conforto da dupla de governadores. O Rio continua lindo, e tolerando o intolerável.

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