Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 04, 2005

Miriam Leitão A coisa certa

A coisa certa

Ele define como "fascinante" e "histórico" o fato que está vendo nos dados da Pnad: a queda da desigualdade brasileira. E ele é o maior especialista brasileiro em desigualdade de renda. Ricardo Paes de Barros, ou simplesmente PB, está mergulhado nos dados da Pnad. "Desde 2001, a desigualdade está caindo um ponto percentual ao ano; se isso for mantido por dez anos, nós seremos um país igual à média mundial."

A desigualdade caiu, com crescimento ou sem crescimento, desde 2001 e isso produziu um resultado que é, de fato, fascinante e histórico:

— O Brasil nunca esteve num nível de desigualdade tão baixo desde que essa pesquisa é feita — disse Paes de Barros.

O país já teve queda forte da pobreza e da extrema pobreza sem queda da desigualdade, como aconteceu no Plano Real. Na época, realmente houve a maior diminuição do percentual de brasileiros abaixo da linha da pobreza (7,8 pontos) e abaixo da linha da extrema pobreza (5 pontos), como é calculado pelo Ipea. Em outro momento em que houve uma queda forte, no Cruzado, o resultado se reverteu assim que voltou a inflação. Depois do real, os novos níveis de pobreza foram mantidos estáveis. As crises do fim dos anos 90 não reverteram o ganho. Mas a desigualdade se manteve no mesmo nível.

O que salta aos olhos na série histórica é que a desigualdade cresceu muito na hiperinflação de 89, no fim do governo Sarney, e teve uma queda brusca nos dois breves e tumultuados anos do governo Collor.

— Esse fato aconteceu, está bem documentado, mas não conheço ninguém que tenha uma resposta exata sobre por que caiu a desigualdade nos anos de 90 a 92. O que a gente sabe é que, em período de hiperinflação, há um aumento da concentração e há um efeito estatístico nos salários, pela diferença de datas de indexação. Mas, exceto isso, não faço idéia de por que a desigualdade caiu naquela época — comentou.

O fenômeno recente tem mostrado constância e isso é animador. Mas é fundamental que o Brasil saiba onde ele acertou nos últimos anos para replicar as políticas. Ricardo Paes de Barros apresentou um estudo inicial feito com Mirela de Carvalho e Samuel Franco num workshop no Ipea. Mostraram que, no biênio 2003-2004, 73% da queda da extrema pobreza e 56% da queda da pobreza se deveram à redução da desigualdade, e o resto ao crescimento. Agora falta saber por que caiu a desigualdade.

— Tenho algumas intuições. A primeira é que há um forte componente educacional nesse fato. Encolheu a desigualdade no mercado de trabalho entre qualificados e não qualificados. Como houve uma oferta crescente de trabalhador qualificado nos últimos anos, isso reduziu o prêmio da qualificação. No Brasil, esse prêmio era 60% mais alto que em outros países e agora está se reduzindo.

Ou seja, no país havia pouco trabalhador qualificado e, por isso, eles tinham salários muito maiores; é o que ele chama de prêmio. O aumento da escolaridade, o esforço de educação dos últimos anos começam a fazer efeito. Mas isso não explica tudo, segundo o economista.

— Há um outro fator importante que ainda estamos estudando. Existe uma variável na Pnad que é renda de juros e dividendos. Sempre registrou mais ou menos que 14% das famílias tinham renda vinda de juros e dividendos. Agora esse número subiu para 24%. E isso está relacionado com a queda da desigualdade. Mas o que é isso? Quando vai se ver o manual do entrevistador do IBGE, vê-se que a renda recebida através do Bolsa Família entra nesta mesma rubrica. Ficou tudo misturado, renda de juros e dividendo dos mais ricos com a transferência de renda através do Bolsa Família. O Bolsa Família influenciou na queda da desigualdade até mais do que imaginávamos, mas é preciso entender porque esses dados estão misturados.

A queda da desigualdade é uma excelente notícia. Precisa ser entendida tecnicamente e não como se fosse um Fla-Flu político. Se descobrirmos exatamente onde foi que acertamos, poderemos acertar mais, independentemente de qual seja o eleito no ano que vem.


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