O GLOBO
No começo da carreira, há mais de 30 anos, Robert Woodward foi um herói da imprensa ocidental, em dupla com Carl Bernstein, no caso Watergate. Vocês devem ter visto o filme, deveriam ter lido o livro: mostra técnicas impecáveis de jornalismo investigativo na apuração do escândalo político que levou à queda de Richard Nixon.
Hoje, Woodward está na berlinda: acusam-no de excesso de familiaridade com fontes oficiais do governo Bush, a ponto de ocultar informação relevante da direção do seu jornal, o "Washington Post".
Para a Casa Branca, ele tem sido repórter confiável, com direito a íntimo acesso a personagens poderosos. Sua honestidade pessoal não tem sido posta em questão — mas não falta quem pergunte por que um governo que trata a maior parte da imprensa com desconfiança e até desprezo abre todas as portas a um repórter de um jornal da oposição. Talvez, suspeita-se, porque nem tudo o que ele sabia era informado a seus superiores.
Enfim, o que interessa não é o episódio em si, mas um fenômeno comum em capitais federais, que respiram política o tempo todo: Washington e Brasília, por exemplo.
A convivência diária cria armadilhas éticas inevitáveis para os repórteres que freqüentam centros do poder por dever de ofício — e esbarram nos seus personagens em cada plenário e cada restaurante.
Ben Bradlee, notável jornalista americano, fez em suas memórias uma confissão peculiar. Ele foi amigo íntimo de John Kennedy e seu vizinho quando o futuro presidente era ainda senador. E em nenhum momento tomou conhecimento (ou considerou que isso poderia ter importância jornalística) do fato de que o futuro presidente era um namorador de deixar Bill Clinton no chinelo.
Num país moralista como os Estados Unidos — onde os homens públicos usam sua vida particular, supostamente impecável, como instrumento para angariar votos e prestígio — estripulias extraconjugais têm crucial importância política e, claro, jornalística. Bradlee atribuiu sua cegueira à amizade íntima entre os casais, vizinhos durante anos. Numa autobiografia, ele se penitencia por isso.
Com ou sem exemplos, dá para desconfiar que a intimidade inibe o ânimo investigatório — ou seria o instinto desconfiativo? — do jornalista, do policial, do promotor.
Não parece má idéia cultivar um certo grau de distanciamento entre o repórter e o político ou administrador, para evitar as armadilhas da intimidade.
Há muitos políticos investigados e denunciados pela mídia em Brasília e no Brasil. Mas também há uma legião que parece blindada contra suspeitas. Tanto em tempos mais tranqüilos como nos dias em que se sucedem escândalos extremamente escandalosos — como ultimamente — seria bastante saudável que mesmo os profissionais mais calejados adotassem uma norma de conduta simples mas rigorosa fora das horas de expediente: bastante cordialidade e muito pé atrás.
E cada um paga sua conta no restaurante.