FSP
Desde o atentado contra o ônibus 350, que resultou na morte de cinco pessoas no Rio, continuo tentando entender esse momento da violência urbana.
O que me impressiona é a dificuldade do tema emergir na agenda política. Queiramos ou não, há um leve preconceito contra ele. Lembro-me de como repórteres de polícia eram vistos com complacência paternal. A violência era sintoma com o qual nos debatíamos, seduzidos pelo sensacionalismo: as causas eram do domínio da grande política.
Como encarar o processo de insegurança crescente sem que, ao longo desses anos, tenha sido apresentado um plano conjunto para detê-lo? Refiro-me a algo que pudesse ser publicado para que as pessoas checassem seu êxito, ou seu fracasso, a cada duas semanas.
Não pretendo ter sozinho a solução para isto. No entanto, faço alguns comentários que, no bojo de uma nova crise, podem ter alguma validade.
Temos algum "know-how" em tratar com grupos armados violentos. Estamos exercitando em Porto Príncipe, sobretudo em Bel Air. As primeiras inspeções foram com veículos blindados, evoluindo-se depois para soldados no chão e, hoje, a interação entre comunidade e Exército já permite que cada um tenha seu time e jogue futebol nas ruas. Pesou a favor do Exército a disposição de prestar um serviço fundamental, que é a retirada do lixo.
Durante a ditadura militar, também foram organizados comandos. Naquela época havia tortura e não se respeitavam as leis. Isso é inválido. Um ponto que sempre me chamou a atenção naqueles comandos: sua capacidade de contornar as burocracias. Tinham a mobilidade necessária para combater grupos cujo grande mérito, era, precisamente a mobilidade.
O que me parece estranho é a possibilidade de gastarmos, em dois anos, US$ 200 milhões no Haiti e, ao mesmo tempo, aplicarmos grandes cortes nas verbas de segurança do Brasil. Pior que um plano de má qualidade é a ausência de algo que possa ser chamado assim. A única exceção, espero, será o Pan de 2007 no Rio.
Essa escassez de ações de articulações é registrada num momento especial. Muitos adolescentes subiram na hierarquia do tráfico. A onipotência é comum na idade. Imaginem como ela não é transformada quando se tem um fuzil na mão e se cheira cocaína.
Quem teve a oportunidade de acompanhar o depoimento de uma menina de 13 anos, Gaguinha, saiu emocionado com o que ouviu. Ela, juntamente de Brenda, a namorada de Lorde, o traficante que ordenou o atentado, parou o ônibus para que fosse incendiado.
Elas sabiam do que se tratava. Mas tudo indica que elas, como os outros participantes, não deram a mínima para a possibilidade de mortes. Como vivem todos num ambiente onde chegar aos 18 anos já uma vitória, é possível dizer que avaliam de forma diferente a vida humana. Têm menos escrúpulos diante do assassinato.
Para as pessoas que vêem nisso tudo um problema social e vislumbram a solução numa remota mudança profunda em nossa sociedade, essas observações parecem conservadoras.
Como intervir com polícia num problema que depende de empregos e de tantas outras melhorias na própria qualidade de vida?
A sensação que tenho é esta: quanto mais tarde se intervier, mais difícil e doloroso será. A polícia de Los Angeles, percebendo que era impossível combater todos os grupos simultaneamente, traçou uma prioridade: dissolver os mais violentos. Além disso, compreendendo que, no imaginário dos jovens, o tráfico tinha muito peso, passou a combatê-lo também como modo de vida, criando programas de comunicação voltados para enfraquecer a imagem dos seus heróis.
Antes que seja combatido, afirmo apenas que não quero transplantar o trabalho do Haiti para o Brasil, sou profundamente crítico da Operação Bandeirantes, onde sofri e vi tantos sofrimentos, nem considero perfeito o trabalho policial de Los Angeles.
Uma única coisa: deveríamos examinar os exemplos disponíveis e criar um projeto que pudesse ser acompanhado pela população. Já existem protestos, mas a verdade é que a sociedade brasileira ainda não encontrou seu caminho no combate à violência urbana. O colapso de alguns Estados tem estimulado iniciativas.
Falta tradição. Em Israel, as pessoas são atentas; em Cuba, os comitês de defesa da revolução são um instrumento da ordem; na Suíça, a população parece ser sensível a qualquer barulho depois das 22h. Cada sociedade encontra sua fórmula. Por que hesitamos tanto em tentar um trabalho conjunto? Por que tratamos o problema com perguntas incompletas, como no referendo?
Estaríamos mesmo, como querem os adversários, nos inclinando à direita por questionar?
É estranho ser político no Brasil e fingir que não se ouvem os tiros. Quando escrevi o primeiro artigo sobre o Tolerância Zero, depurando seus aspectos autoritários e reconhecendo algumas de suas inegáveis qualidades, pensei que iria iniciar um debate. Que nada.
No governo Sarney, redigimos o texto final de um plano de segurança e fomos para casa tranqüilos, certos de que era um marco zero. Pensávamos que alguma coisa estava se movendo. Mas eram apenas viaturas novas.
O Brasil não tem projetos, pois nem a esquerda nem a direita superaram suas posições e muito menos surgiu um presidente capaz de construir a ponte.
Se todos pudessem conversar algumas horas com Gaguinha, talvez saíssem inspirados para tentar algo novo. Meninos, fuzis e cocaína são uma combinação temível. O que será preciso fazer para que se entenda essa mensagem?
Entrevista:O Estado inteligente
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