Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 02, 2005

FERNANDO DE BARROS E SILVA O espertalhão e o degredado

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 SÃO PAULO - "A ingratidão é um dever do governante." Lula seguiu à risca essa máxima de Charles de Gaulle durante o processo que levou à cassação de Zé Dirceu. Agora, que Inês é morta, o presidente rende homenagens póstumas e cobre o cadáver com elogios de cera; quando poderia agir, fez outro cálculo: entregou seu ex-homem forte à própria sorte, induzindo-o inclusive à renúncia, na expectativa de que sua cabeça de ouro, uma vez exposta na bandeja, bastaria para saciar a fome da oposição e a justa indignação da opinião pública.
Lula agiu como sempre -omitindo-se. Seu couro já correu mais perigo -é verdade-, mas sua imagem sai do episódio ainda mais danificada. Pilatos de ocasião, o presidente reforça a percepção de que é um espertalhão autocentrado, um deslumbrado consigo mesmo e com o poder, alguém sem convicções ou idéias na cabeça -e cujo único patrimônio é ainda a capacidade intuitiva de interagir sentimentalmente com as massas que segue embromando.
Dirceu se defendeu só. Demonstrou, além de uma disposição incomum para a briga, um apego pelos direitos individuais que não parecia prezar quando estava por cima. Perdeu, mas conseguiu disseminar com relativo sucesso a versão de que caiu por suas virtudes políticas, não por seu envolvimento na "República do Mensalão". Não é verdade. Valério, Delúbio, Duda, Jefferson, Janene e tantos outros sabem melhor que nós por que Dirceu terminou assim.
Ressuscitada durante sua agonia, a fantasia do guerrilheiro extemporâneo deve render agora a Dirceu um papel de comando entre os insatisfeitos com o governo. O título de líder dos degredados lhe cai bem. A esquerda gosta e vive dessas ilusões.
Mas e a crise -arrefecerá? Muitos apostam que sim, mas há argumentos fortes para acreditar no contrário. O cadáver premiado será jogado na cara do presidente até outubro de 2006; a cassação do "chefe do mensalão", além disso, praticamente define o destino dos demais mensaleiros. E, mais importante: eliminada a rainha, o rei fica só e mais exposto no tabuleiro. Dirceu se foi; a crise fica.

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