OESP
A vida reserva surpresas, algumas ruins. Quem poderia imaginar, anos atrás, que um governo petista no Brasil se pudesse assemelhar a um governo republicano nos Estados Unidos? As semelhanças não estão no conteúdo das políticas (o Brasil não tem nem poderia ter pretensões de intervir militarmente ao redor do mundo). Elas são mais de estilo que de substância. Nem por isso são pouco importantes, porque dizem respeito ao modo de ser dos governos em regimes democráticos.
A principal delas é a distância que separa, de um lado, os valores que proclamam e as virtudes que se auto-atribuem e, de outro, o que fazem na prática invocando esses mesmos valores e essas mesmas virtudes auto-atribuídas. Os atuais governos do Brasil e dos Estados Unidos se distinguem por fazer o exato inverso do que dizem. Quando confrontados com a realidade dos fatos, tratam de negá-la contra todas as evidências. E, quando isso não é mais possível, como agora, apelam com redobrada arrogância aos valores de que se julgam portadores exclusivos ou privilegiados.
Assim, no Brasil, corrupção organizada vira caixa 2 e a oposição se torna golpista por exigir a apuração das denúncias e o cumprimento da lei. É isso o que nos quer ensinar o governo que diz fazer mais pelo povo pobre do que nenhum outro antes dele desde Pedro Álvares Cabral. Diante de fim tão elevado e virtude tão inconteste, deveríamos aceitar os meios utilizados e perdoar os 'erros' cometidos.
Essa mistura indigesta, que transforma o engano deliberado em arma principal da disputa política, faz muito mal à democracia. O engano deliberado alimenta-se de duas fontes: uma é a negação implausível, como bem a caracterizou em seu último artigo nesta página o ex-ministro Malan; a outra é a afirmação infundada. A primeira é utilizada principalmente para se defender de acusações.
Um exemplo de negação implausível? Pode-se alegar que os presidentes da República do Brasil e dos Estados Unidos não soubessem, respectivamente, dos detalhes operacionais das ações de José Dirceu e Karl Rove, o principal assessor político de George W. Bush, que juntamente com assessores do vicepresidente é suspeito de haver vazado informações confidenciais contra adversários políticos, mas é implausível imaginar que um e outro não soubessem de nada do que se passava ao lado dos seus gabinetes presidenciais.
As afirmações infundadas, por sua vez, são um subproduto do investimento pesado na retórica dos valores e das virtudes exclusivas. Servem também a propósitos defensivos, mas são, antes de tudo, o anabolizante de uma retórica de ataque. Quantas vezes já teremos ouvido frases como 'ninguém é mais (ético, democrata, etc.) do que eu' ou 'nenhum país tem maior apreço (pelos valores democráticos, pelo império da lei, etc.) do que os Estados Unidos'? O anabolizante utilizado para ressaltar a condição excepcional do líder ou do país que ele representa é nocivo à democracia: acirra desnecessariamente as divisões na sociedade e na política, desgasta os próprios valores e virtudes auto-atribuídas, por torná-los fórmulas vazias, e pode mesmo pô-los em risco quando o virtuoso decaído tenta arrastar todos consigo para a vala comum (como pretende agora o PT).
Nos Estados Unidos, poucas vezes um governo falou tanto em 'valores democráticos' e provavelmente nenhum outro terá desrespeitado tanto esses mesmos valores dentro de suas próprias fronteiras (e o 'império da lei' fora delas). Substituam-se 'valores democráticos' por 'valores republicanos' e a semelhança com o Brasil salta aos olhos.
Aqui jamais se abusou tanto da idéia de que finalmente temos um governo comprometido com a coisa pública, ao mesmo tempo que a coisa pública nunca antes foi tão submetida ao exclusivo interesse de uma organização partidária.
Nos Estados Unidos não se fala em aparelhamento do Estado (são comparativamente poucos os cargos comissionados). Mas nos últimos seis anos se acumulam casos de 'politização imprópria de funções de governo', atingindo órgãos antes tidos como isentos.
Um exemplo recente é a Fema, a agência federal encarregada de gerir situações de emergência, que teve atuação desastrosa no episódio do furação Katrina, que assolou New Orleans. Seu presidente havia sido nomeado por ser amigo de um amigo de Bush, chefe de sua campanha em 2000. O caso lembra a partidarização promovida pelo atual governo brasileiro em órgãos técnicos de excelência, como o Inep, responsável pela avaliação das políticas de educação. Nesse caso, os desastres tendem a aparecer no longo prazo.
A utilização da máquina pública para fins eleitorais é outro ponto em comum. Aqui, segundo todas as evidências, foram mobilizadas estatais para engordar o financiamento do partido do governo. Lá os métodos têm sido outros. Contra a cúpula do Ministério da Justiça norte-americano pesa a denúncia de haver ignorado parecer unânime de todos os membros do comitê técnico de defesa dos direitos civis, do próprio ministério, contra uma medida administrativa que alterou a configuração dos distritos eleitorais e assim levou os republicanos a aumentar o número de deputados eleitos pelo Estado do Texas para a Câmara Federal.
Talvez sejam essas semelhanças no estilo de seus governos que expliquem a 'boa química' que parece haver entre os atuais presidentes do Brasil e dos Estados Unidos.
Felizmente, nós aqui e eles lá, contamos com os instrumentos democráticos para mudar o rumo das coisas nos dois maiores países das Américas.
Pelo que indicam as taxas de aprovação dos respectivos governos, em seus níveis mais baixos desde sempre, a mudança vem vindo por aí. Nós, brasileiros, teremos a chance de nos antecipar e não conceder a Lula o que os americanos concederam a Bush, e agora se arrependem: um segundo mandato.?
Sérgio Fausto, cientista político, foi assessor dos Ministérios do Planejamento, Desenvolvimento e Comércio Externo e Fazenda e é assessor do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
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