Fragilizado pela crise política, açoitado por críticas dos chamados movimentos sociais — outrora aliados indiscutíveis — e preocupado com as eleições, o governo Lula tende a aproveitar qualquer chance para ficar bem com as ruas. A definição do novo salário-mínimo é uma dessas oportunidades.
Na campanha de 2002, Lula prometeu dobrá-lo, o que significaria decretar para 2006 um piso de R$ 487,66. Seria necessário hoje um reajuste de 62,5% — uma impossibilidade fiscal.
Por mais irresponsável que seja um governo, um aumento desses está fora de cogitação. Há pressões para um mínimo de R$ 350, ou 16,7% superior aos atuais R$ 300, um crescimento substancial considerando que a inflação anual situa-se pouco acima dos 5%. O movimento sindical — representado no governo pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, da CUT — costuma passar a idéia de que a fixação do mínimo depende de vontade política. Se fosse assim, por que Lula não conseguiria cumprir a promessa de campanha? E antes dele outros já teriam resolvido o problema social brasileiro à base de canetadas.
O ponto nevrálgico é que o mínimo se transformou num gatilho que pode deflagrar um processo de grave desequilíbrio fiscal.
Pelo fato de o salário-mínimo indexar o piso da aposentadoria na Previdência (INSS), além de uma série de outras contas públicas, o percentual do seu reajuste propaga aumento de gastos em vários segmentos da estrutura de despesas oficiais, e não apenas na União.
O reajuste de R$ 260 para R$ 300, este ano, gerou um gasto a mais na Previdência de R$ 1,8 bilhão. Somadas outras causas (pagamentos de atrasados por força de sentenças judiciais, auxílios-doença em alta descontrolada), o INSS deverá fechar o ano com um déficit próximo dos R$ 40 bilhões — um salto de 25% em relação a 2004.
É inexorável o próximo governo receber de herança a imposição de uma nova reforma da Previdência e a necessidade de desconectar benefícios do salário-mínimo. O tema é impopular. Mas é preferível enfrentá-lo do que manter o sistema na rota da insolvência.