O PT se parece com as matrioshkas - as tradicionais bonecas russas que se abrem para revelar outras idênticas, uma menor do que a outra. Só que no caso do partido da lambança o que se tem é uma embromação dentro da outra, nenhuma menor do que a outra. Petista é o partido da peta. A reação da legenda à revelação de que pagou com os seus conhecidos "recursos não contabilizados" R$ 1 milhão à tecelagem Coteminas, da família do vice-presidente José Alencar, é apenas o exemplo do dia do jeito petista de enganar.
Para as eleições municipais de 2004, quando as torneiras do valerioduto já começavam a secar, o PT encomendou à empresa pouco mais de 2,7 milhões de camisetas de propaganda, a um custo da ordem de R$ 11 milhões. Segundo a Coteminas, a compra deveria ter sido quitada em duas parcelas, em novembro de 2004 e janeiro de 2005. A idéia do partido, de acordo com uma versão absolutamente plausível, era pagar a mercadoria "por fora", o que o fornecedor se recusou a aceitar. Essa pode ter sido a origem do imbróglio.
O fato é que, a pedido do cliente inadimplente, a dívida - àquela altura beirando R$ 12 milhões - ficou de ser paga em três prestações, entre 15 de março e 15 de maio. Só dois dias depois do último vencimento, o PT pôs a mão no bolso. A coordenadora administrativa da agremiação, Marice Corrêa de Lima, entregou ao credor, em dinheiro vivo, o referido R$ 1 milhão, que a Coteminas imediatamente depositou na sua conta bancária, dando, como depositante, o número de um CNPJ do partido. E abateu o valor, nos seus registros, da dívida petista.
Divulgada a história, o novo secretário de Finanças do PT, Paulo Ferreira, com naturalidade à altura do seu antecessor, Delúbio Soares, disse ao jornal O Globo, para esvaziar o caso: "Não é nada de novo. É caixa 2. Tem a ver com as práticas informais da gestão anterior." No mesmo dia, porém, assinou, com o presidente do partido, Ricardo Berzoini, uma nota sobre o "suposto" pagamento, do qual "não há registro, em nossa contabilidade". Nem podia haver, por se tratar de dinheiro ilegal, o que não torna o pagamento "suposto".
Indagado se havia conversado com Delúbio sobre o episódio, Ferreira respondeu confirmando, com rematada candura, a normalidade do caixa 2 nas operações petistas: "Desde quando é preciso falar com alguém para descobrir isso?" Já o professor Delúbio, enrolador e trapalhão como sempre, disse que não - o que o PT pagou à Coteminas estava registrado na contabilidade partidária. Percebendo a rata, alegou depois que se equivocara: "Na verdade, o pagamento foi feito em espécie, com dinheiro que tinha origem nos empréstimos feitos por Marcos Valério."
Com isso, tratou de jogar areia na suspeita da direção da CPI dos Correios de que o caixa 2 petista poderia ter sido irrigado por outros dutos. O problema da versão de Delúbio é que, em maio deste ano, já haviam se passado sete meses desde o término do repasse de R$ 4,9 milhões ao partido, admitido pelo bom Valério, cujo início remontaria a maio de 2003. Simplesmente não faz sentido que, não tendo ainda raspado o fundo do caixa 2, o tesoureiro do PT esperasse mais de meio ano para pagar a décima parte de um débito assumido com a empresa do vice de Lula.
Hoje, a Coteminas divide com o Banco do Brasil o duvidoso privilégio de ter levado o maior calote do partido da ética. A cúpula petista diz que pagará o que deve à Coteminas, "nem que isso leve 120 anos". Ou seja, é melhor a empresa esperar sentada - tendo de lidar, para mal dos pecados, com a atribulação adicional de se ver envolvida em uma operação escusa do partido de Lula. (O presidente disse a um agastado Alencar que nada poderia fazer a respeito.)
Salvo para o credor, a questão negocial não é a mais carregada de problemas potenciais para o PT - e sabe-se lá para quem mais. Uma fonte do diretório nacional disse ao Estado que o R$ 1 milhão "não veio do Valério; veio de alguma empresa que doou por fora" - um filão para a CPI explorar. O que existe, nas palavras do sub-relator da comissão, deputado Gustavo Fruet, "é mais uma história inverossímil numa sucessão de histórias inverossímeis".