A tentação do populismo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está diante de uma escolha crucial para o Brasil e para sua biografia. Deve decidir se vai ceder à tentação do populismo fácil, lançando o País mais uma vez na aventura das soluções mágicas, ou seguir o bom senso escorado na aritmética. O caminho do bom senso é o da arrumação duradoura das contas públicas, única saída possível para uma redução consistente dos juros e para o crescimento seguro. A opção está descrita com notável clareza num artigo dos economistas Fábio Giambiagi, do Ipea, e Antônio Delfim Netto, deputado federal e professor aposentado da USP. A escolha certa inclui a elevação do superávit primário para 4,7% do Produto Interno Bruto (PIB), mínimo necessário para tornar a dívida pública suportável e compatível com uma expansão econômica duradoura, sem risco de novo mergulho na inflação e na crise. Os dois economistas defendem exatamente o oposto da solução pregada pela chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, e outros companheiros autorizados pelo presidente Lula a bombardear os ministros do Planejamento e da Fazenda, defensores do ajuste fiscal mais severo e mais conseqüente. Se for mantido o superávit primário de 4,25%, como exigem esses ministros e também o presidente do BNDES, Guido Mantega, a proporção entre a dívida pública líquida e o PIB tenderá a crescer. O esforço, portanto, será pouco produtivo, por ser insuficiente, e, aí, será possível falar de um exercício de enxugar gelo - expressão usada pela ministra Rousseff em seu ataque mais violento à proposta dos colegas do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Fazenda, Antonio Palocci. O erro será maior se o presidente quiser adotar, ao mesmo tempo, uma redução mais veloz dos juros combinada com uma política fiscal relativamente frouxa. Será o caminho mais direto para a corrosão dos pilares da estabilidade econômica. A tentação não é desprezível e se manifesta não só no Brasil. "Em muitos países da América Latina há um cheiro de populismo no ar", adverte o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, em artigo publicado na revista Finanças e Desenvolvimento, do FMI. "A grande questão", segundo Fraga, "é saber se Brasil e México, as duas maiores economias, vão seguir o caminho bem-sucedido do Chile ou sucumbir a tentações populistas, sejam elas da variedade argentina moderada (controles de preços, incerteza regulatória) ou do modelo venezuelano, mais extremado, que põe a democracia em risco quando aspira ao sonho bolivariano de unificar a América Latina." Segundo Giambiagi e Delfim Netto, só um ataque mais conseqüente ao desajuste fiscal, com superávit primário suficiente para equilibrar as contas públicas em 2009 ou 2010, permitirá construir as condições típicas de países bem-sucedidos: 1) carga tributária bruta da ordem de 25% a 30% do PIB; 2) dívida pública líquida em torno de 30% do PIB; 3) equilíbrio entre a dívida externa líquida e a exportação de bens e serviços. São condições de países com "grau de investimento", qualificados para financiamentos a juros baixos e com longa maturação. Para isso, será necessária, segundo os dois técnicos, uma agenda de longo prazo para uma ampla reestruturação das finanças públicas. Será uma pauta de Estado, não de governo. Com base nessa política será possível criar para o setor produtivo um espaço de crescimento semelhante ao encontrado nos países mais competitivos e mais dinâmicos. Por enquanto, o presidente da República mostra-se mais propenso a seguir outro caminho. Fala em austeridade fiscal, mas insiste na meta de superávit primário de 4,25% do PIB, defendido pela ministra Rousseff e por outros companheiros ansiosos para gastar mais. Ontem a ministra voltou a defender essa meta. Segundo afirmou, o governo poderá reduzir o superávit, nos próximos anos, de acordo com a diminuição dos juros. A mecânica defendida por Delfim Netto e Giambiagi é a oposta: só a disciplina fiscal mais ambiciosa, escorada na continuação da política de reformas, possibilitará uma redução consistente dos juros básicos. A aproximação das eleições torna mais tentador o caminho do voluntarismo e das soluções populistas. Uma decisão errada poderá produzir um tremendo retrocesso, com a perda de todo o avanço conseguido desde a Carta aos Brasileiros.
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Entrevista:O Estado inteligente
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