O fim do drama de José Dirceu
Há três aspectos a ressaltar na cassação do deputado José Dirceu - a mais estrepitosa punição imposta pelo Legislativo a um detentor de mandato popular desde o impeachment de Collor. O primeiro foi o comportamento do governo. Por determinação do presidente Lula, que não conseguiu que Dirceu renunciasse para impedir a anunciada abertura de processo contra ele no Conselho de Ética da Câmara, agora os operadores do Planalto apenas simularam socorrer o arquiteto político da sua eleição, na quarta tentativa, e o controlador-geral da sua administração durante 30 meses. A rigor, só o vice José Alencar trabalhou para salvar o mandato do ex-ministro. Lula lavou as mãos certo de que a saída de Dirceu do proscênio apressará o fim da crise do mensalão, que ameaça menos o seu mandato do que a sua reeleição - objetivo que persegue obsessivamente desde que vestiu a faixa presidencial e cuja conquista se tornou duvidosa. Lula sempre disse que lhe parte o coração demitir velhos companheiros de luta que levou para o Ministério. Mas as chances de José Dirceu permanecer no Ministério se esgotaram quando Lula percebeu que sua permanência poria em risco o projeto do segundo mandato. Essa foi a lógica da "omissão de socorro" que contribuiu para o resultado de quarta-feira. Quanto antes fosse sacrificado - do que talvez não escapasse no voto secreto dos seus pares, mesmo se outra fosse a conduta de Lula - tanto mais fácil ficaria dissociar a figura do presidente e a imagem de sua administração do maior escândalo de corrupção de que se teve notícia no País. O que conduz ao segundo dos três aspectos mencionados. Não é de descartar a hipótese de que, supondo aplacada a demanda da sociedade pela punição dos parceiros de lambança - afinal, a cassação de um José Dirceu não é propriamente trivial, e também o réu confesso Roberto Jefferson foi guilhotinado -, os políticos se sintam à vontade para poupar da mesma sorte os peixes menos graúdos fisgados pelas CPIs e entregues ao Conselho de Ética. Pior ainda, o efeito boi de piranha poderá arrefecer o ânimo de se ir ao fundo da questão do envolvimento do governo - do que ninguém duvida - na instalação e operação do valerioduto. Essa, sim, a pizza mais indigesta que poderá resultar do meio ano de denúncias e depoimentos que já começam a cansar a opinião pública. O foco das apurações se concentraria nas malfeitorias dos homens de que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, se fez cercar quando prefeito de Ribeirão Preto - um dos quais o acusa de ter feito o seu caixa 2 - , suspeitos de participar de ilicitudes posteriores, relacionadas aos negócios da Caixa Econômica Federal com a multinacional Gtech e aos dinheiros de Cuba e de Angola. O terceiro aspecto da cassação de Dirceu - que, na mais caridosa das hipóteses, permitiu que acontecesse o que aconteceu, pois só se fosse outra pessoa, em outro lugar, com outra trajetória e com outros planos de nada saberia, como alega - abarca companheiros dele, como, entre outros, o próprio Palocci e Celso Daniel, o prefeito de Santo André que, se vivo estivesse, coordenaria o programa de governo de Lula (o que Palocci acabou fazendo). O traço de união entre esses e demais hierarcas petistas é o que se poderia chamar a ética dos justos - justos, bem entendido, na sua auto-avaliação ideológica. Tudo que se veio a saber dos usos e costumes do PT no poder, em qualquer de seus níveis, mostra que os companheiros em posições executivas se guiavam pelo velho princípio revolucionário de que os fins justificam os meios - mesmo tendo eles próprios ajudado a arquivar a meta de uma parte dos fundadores da sigla, de destruir a desprezada ordem democrática e burguesa. Os defensores da via eleitoral para a tomada do poder, embora vitoriosos desde logo internamente, permaneceram fiéis à concepção ideológica da subordinação do Estado ao Partido e ao dogma revolucionário - os fins justificam os meios - que legitima a corrupção política e administrativa. Eis a gênese das extorsões praticadas nas administrações petistas, do largo uso de "recursos não contabilizados" na campanha presidencial de 2002, de tudo que o termo mensalão engloba - e, ao fim e ao cabo, da cassação de José Dirceu, fulminado pelo mesmo sistema de que se aproveitou pelos meios mais condenáveis.
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Entrevista:O Estado inteligente
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