Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Delenda Palocci? PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

FSP


Ando viajando demais. Escrevo, desta vez, de Natal, onde se realiza o encontro anual da Anpec (Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia). O hotel, à beira-mar, é uma beleza. Está repleto de economistas, porém. E pior: a maioria, homens. Menciono isso, evidentemente, sem a mínima intenção extracurricular. O que quero dizer, apenas, é que a nossa profissão ainda não foi suficientemente oxigenada pela inteligência, pelo charme e pela flexibilidade femininas. Da mulher, pode-se dizer (com mais razão) o que Nietzsche dizia da música: sem ela, a vida seria um erro, um cansaço, um exílio.
Tomo essas notas no café da manhã. Escolhi um canto reservado, perto da janela. Um jovem economista, que se apresentaria em seguida como do Banco Central ("of all places"!), senta-se à minha mesa e dispara: "Posso juntar-me a um desconhecido?" (começou mal). Faz perguntas variadas, entre elas: "O que você está escrevendo?". Consigo, com certo custo, desvencilhar-me do simpático funcionário e retomo o texto.
Generalizaram-se as reclamações contra a política econômica do governo. Aqui na Anpec, assim como no resto do país, os seus defensores escassearam rapidamente. Apareceram novos críticos em grande número. A dupla Palocci-Meirelles foi para o pelourinho da opinião pública nacional.
Nós, críticos mais antigos da política econômica, estamos um pouco inquietos. Que aliados passamos a ter! Que adesões estão colhendo as nossas teses mais queridas! Por exemplo: petistas de alto coturno, ocupantes de importantes cargos federais, antes omissos e silentes, agora vêm a público desancar a área econômica, particularmente o BC. Outro exemplo: tucanos notórios, que apoiaram ou silenciaram sobre políticas econômicas semelhantes no período FHC, arvoram-se em porta-vozes do "desenvolvimentismo" e críticos severos dos exageros do governo Lula em matéria de juros e valorização cambial -um caso clássico de "macaco, olha o teu rabo!".
Mais grave, entretanto, é que economistas ligados a bancos e até banqueiros passaram a criticar a rigidez do BC! O Brasil é realmente "sui generis". Como dizia Tim Maia, é um país tão pouco profissional que aqui prostituta tem orgasmo, cafetão, ciúme, e -acrescento eu- banqueiro critica o BC.
Banqueiros com espírito crítico! Façam-me o favor! Cada macaco no seu galho!
Banqueiro cobra juros e ganha dinheiro. Crítica é para economista independente.
Depois dessa defesa vigorosa do nosso território, quero acrescentar que muitas das críticas recentes têm componentes eleitoreiros, ainda que com sentidos trocados. Os petistas de alto coturno, encantados com o poder, temem que a rigidez da Fazenda e do BC inviabilize a reeleição do presidente da República. Os tucanos, por sua vez, estão vitaminando o seu discurso de campanha para 2006, pois não há como saber se os escândalos de corrupção serão uma arma suficiente para destronar Lula.
Seja como for, o meu ímpeto agora é defender a política econômica. Primeiro argumento: poderia ser pior. E se Lula tivesse escolhido para a Fazenda algum desses célebres economistas petistas, que se destacam mais pela verve do que pelo conhecimento? Não foi por outra razão que eu lancei, aqui nesta coluna, na semana retrasada, o apelo enfático: "Fica, Palocci, fica!". Encontrei-me com o ministro rapidamente em Foz de Iguaçu, na semana passada, e disse a ele: "Vejo que você atendeu às minhas preces". Ele riu e disse, habilidoso: "Nós temos nossas divergências, mas você é sempre carinhoso comigo".
Carinhoso? Bem, em política, todas as interpretações são possíveis. Mas não há dúvida de que aspectos centrais da atual política econômica devem ser preservados. A começar pelo combate à inflação, que não é senão a defesa da moeda nacional, ingrediente essencial da soberania do país. O fortalecimento das finanças do governo é outro aspecto vital para o Estado nacional. Não há projeto nacional sem finanças organizadas e autonomia financeira.
Tudo isso pode ser acaciano, reconheço. Mas não vamos esquecer um fato literário fundamental: o conselheiro Acácio era economista! Pode checar, leitora, lá no "Primo Basílio" do Eça. O conselheiro chegou a publicar um livro: "Elementos Genéricos da Ciência da Riqueza e a Sua Distribuição, Segundo os Melhores Autores" -compilado provavelmente de economistas ingleses e franceses, os países líderes da nossa disciplina no século 19.
Temos, portanto, um precursor ilustre. E continuamos seguindo o seu modelo. Reverenciamos o óbvio em tom solene e pretensioso. E copiamos servilmente os "melhores autores". A diferença é que os "melhores autores" já não são mais europeus, mas, sim, norte-americanos.

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