Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Crescimento e desigualdade PAULO RABELLO DE CASTRO

FSP

O crescimento é um processo de desequilíbrios sucessivos. Desequilíbrios geram desconforto e, certamente, alguma ansiedade; mas também trazem progresso. A política econômica é infensa a desequilíbrios. Não está desenhada para conviver com os esforços do crescimento acelerado. Em compensação, comemoram-se os sinais de repouso, de estabilidade: os preços controlados, a economia resfriada e calma, a queda das desigualdades de renda.
Sobre essa última, especialistas em pobreza, ou "pauperistas", não têm poupado constatações elogiosas na mídia. Poucos são os que, contra a maré, vêem erro e confusão na propalada queda da desigualdade. Economistas sabem que um crescimento acelerado traz muito progresso para todos, mas traz também aumento momentâneo da desigualdade, até que a renda extra do andar de cima "filtre" para as camadas de baixo. A estagnação econômica, pelo contrário, costuma trazer nivelamento das camadas de renda. As últimas estatísticas do IBGE, que os pauperistas comemoram, exibem, justamente, um crescente nivelamento, por baixo, ou seja, as rendas das classes médias têm caído mais rápido que as perdas ocorridas entre os mais pobres, na pirâmide social.
Mauro Halfeld ("O Globo", 05/ 12, pág. 20) observa, acidamente, que agora se aplaude a queda de rendimentos das classes médias -jornalistas, professores, médicos, advogados, funcionários públicos-, classificadas na categoria genérica de "ricos". A média dos rendimentos desse grupo de "privilegiados" é de R$ 3.266, cerca de dez vezes o salário mínimo, o que não ofende nenhuma distribuição de renda européia. Só que os níveis de renda são muito baixos, além de cadentes! É, de fato, uma tragédia do Plano Real, aprimorada com sucesso pela atual política econômica de estagnação consentida.
Por isso, Halfeld conclui, corretamente, que, "desde 1995, o Brasil está depauperando a classe média", enquanto a pesquisadora Sonia Rocha (Folha, 04/12/05) aponta que a queda de desigualdade não passa de um "suspiro". Níveis de desigualdade são medidas traiçoeiras. Juízos definitivos de valor sobre esses índices são mais perigosos ainda. Quem acha que a desigualdade no Brasil caiu não faz a conta, por exemplo, da má qualidade desse resultado. No andar de cima, a classe média murcha, mas a turma que aufere os R$ 150 bilhões (!) de juros pagos para rolar a dívida do governo (chamemo-la de "turma do andar de cobertura") está decerto aumentando sua já enorme fatia no bolo total.
Em compensação, os mais pobres são brindados com transferências crescentes do mesmo governo, mesadas mirradas para cada um, mas multibilionárias na conta final, por meio de benefícios sociais e previdenciários múltiplos. Trata-se de grande "cala-boca" social para os milhões que não encontram os empregos prometidos pelo crescimento que não aconteceu.
Constato, horrorizado, a notícia do fechamento de mais uma fábrica de calçados, no Rio Grande do Sul. A marca e a empresa são conhecidas por sua fama de competência e custo baixo, mas estão derrotadas pelo câmbio irreal que lhes provoca prejuízos há 18 meses. Com a suspensão da fabricação, mais 800 empregos diretos foram ceifados. Ganho para os pauperistas, que comemorarão mais 800 Bolsas-Família, eficientemente doadas pelo governo federal da solidariedade na pobreza.
É pobreza, sim, mas de espírito, principalmente. O curioso é observar como, de novo, a corda se enrosca em volta do pescoço dos contribuintes de impostos. Claro: para pagar os R$ 150 bilhões de juros aos rentistas, mais outros tantos R$ 120 bilhões aos pauperizados, dependentes das bondades oficiais, o poder público precisa arrecadar essa montanha de dinheiro das empresas e famílias que sangram a carga tributária relativamente mais alta do mundo.
Na última reunião semestral do Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio, anteontem, especialistas e empresários convergiam na necessidade de furar o bloqueio político que impede uma rediscussão inteligente e corajosa da política econômica de "repouso permanente" praticada pelo BC, cuja caixa-preta é bem mais fechada do que a metodologia do PIB do IBGE. Pouco importa -esse foi o consenso no debate na Fecomercio- que o PIB do 3º trimestre tenha caído 1,2% ou 0,8%. O fato é que vem caindo, sucessivamente, a capacidade brasileira de crescer e de fazer o povo prosperar, como deveria, há dez anos.
Brasília é culpada. O poder federal, que gasta, há uma década, ao dobro da velocidade do ganho do setor privado, que o sustenta, não tem desculpa nem pode se esconder atrás do biombo do seu "superávit primário" para comemorar os enormes déficits fiscais que continua cometendo.
O debate se encerrou com a platéia, indignada, pedindo que as lideranças empresariais "enquadrassem" os políticos candidatos em 2006, não lhes dando boa vida.

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