Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 04, 2005

AUGUSTO NUNES A morte que só liqüida o futuro

JB


Previsíveis descargas de adrenalina influenciaram, em 16 de junho de 2005, o discurso de despedida do chefe da Casa Civil. "Vou continuar governando o Brasil como deputado e como dirigente do PT", fantasiou José Dirceu no prólogo do demorado ocaso. "Sei lutar no Planalto e na planície".

O combate nas terras baixas seria mais perigoso, advertiu esta coluna. O ex-ministro enfrentaria resistências no PT e, sobretudo, ressentimentos multipartidários acumulados no Congresso. Arrogantes raramente escapam à 25ª hora. Dirceu começou a vislumbrá- la cinco dias depois da queda, no discurso de retorno à Câmara dos Deputados.

Naquela quarta-feira, galerias povoadas por companheiros afagaram o orador com o refrão estimulante: "Dirceu é meu amigo. Mexeu com ele, mexeu comigo". O discurso teve poucos momentos agressivos. Mas bastaram para excitar o plenário, palco de brigas e batebocas suficientes para ruborizar um deputado coreano.

Dirceu só voltaria à tribuna mais de cinco meses depois, para o discurso que seria o do adeus. Neste 30 de novembro, também uma quarta-feira, José Dirceu de Oliveira e Silva fez a derradeira tentativa para evitar a cassação do mandato e a suspensão por dez anos dos direitos políticos. Abstraído o sotaque inverossímil, falou com fluência e clareza. Mas sem vestígios de emoção.

Não estava na tribuna o líder estudantil impulsivo, nem o exilado grávido de planos revolucionários, tampouco o infatigável pastor do PT e comandante da campanha de Lula ou o ministro onipotente e onipresente. Ali estava um sessentão cansado de guerra, a caminho do ostracismo. Não pareceu emocionar-se em nenhum momento. E não emocionou ninguém.

Só quem o conhece de perto vislumbrou no olhar glacial de José Dirceu a faísca da perplexidade. Ficara visivelmente perplexo na véspera, quando o escritor paranaense Yves Hublet lhe desferiu duas bengaladas. Enquanto discursava, procurou camuflar a perturbação decorrente da suspeita, agora consistente, de que a platéia lhe era hostil. Bem mais hostil era o país.

No Congresso, os poucos parlamentares que aguardaram o fim da apuração (Dirceu retirou-se depois de votar) receberam o resultado em silêncio. Só batia palmas a alma de cada degolador do pescoço tão cobiçado. A classe média de São Paulo dispensou-se o farisaísmo. A anunciação do 257º voto, que garantiu a cassação, foi saudada por milhares de gargantas com o grito de gol provocado por times grandes. O coro dos indignados voltou a soar no fim da votação.

Lula mandou flores retóricas. Alguns ministros se limitaram a burocráticos telefonemas solidários. Outros, nem isso. Como toda despedida forçada ministra à vítima doses formidáveis de adrenalina, Dirceu segue em cena. No dia seguinte ao da cassação, comentou com entusiasmo o livro em que registrará os 30 meses vividos na chefia da Casa Civil.

Na porta da casa de todo ex nasce capim. Dirceu logo conhecerá o abandono. Será ignorado por supostos amigos de infância. E sofrerá a espécie de morte que não suprime a vida. Só confisca o horizonte. Só mata o sonho.

O Supremo só tem dois juízes de carreira

Dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, só dois foram juízes de Direito. Os nove restantes chegaram ao olimpo do Poder Judiciário sem ter aprendido a julgar.

Dois promotores concursados se valeram de brechas na lei para exercer a magistratura em áreas específicas, mas não assimilaram a arte de julgar. Os outros, nem isso.

O time do STF reúne dois escalados pelo presidente José Sarney, dois por Fernando Collor, três por Fernando Henrique Cardoso. E só dois foram juízes de carreira.

O presidente Nelson Jobim dizia que gostava de ser criticado. Falso. "Os idiotas perderam a modéstia", irritou-se na quarta-feira. Antes, o Supremo perdera o tino.

Glênio Guedes, procurador-geral da Fazenda, foi drenado do pântano em julho. Além de uma propina de R$ 1 milhão, trazia no terno enlameado presentes e mimos que ganhara de Marcos Valério por ter livrado o Banco Rural de multas impostas pelo Banco Central. O Cabôco lembra que o larápio foi suspenso por quatro meses. Quer saber se já devolveu o dinheiro. E quando será engaiolado?

Auro deu a aula em 1964

A frase "japona não é toga", evocada na coluna de domingo passado, não ecoou em agosto de 1961, na crise da renúncia de Jânio Quadros. O historiador Marco Antônio Villa explica que o senador Auro de Moura Andrade cunhou a expressão em 1964. O regime militar abrira um inquérito policial militar (IPM) sobre a Caixa Econômica Federal, que havia sido presidida por um cunhado de Auro. Irado, ele divulgou o manifesto sem título que acabaria batizado de "Japona não é toga". O próprio senador conta o caso no livro Um Congresso contra o arbítrio – Diários e memórias – 1961-1967, editado pela Nova Fronteira.

CONSTATAÇÃO

O sistema de ônibus do Rio de Janeiro está entre os cinco piores do mundo. A proeza é tão espantosa quanto fazer parte da lista dos cinco melhores do planeta.

É hora de agir no Brasil

O incêndio do ônibus 350, no Rio, foi tipicamente um atentado terrorista, semelhante aos ocorridos no Haiti. Lá, os assassinos invocam motivos políticos para matar. No Brasil, só houve um avanço na metodologia beligerante do narcotráfico. Os carrascos são irmãos.

Nas favelas haitianas, terroristas são enfrentados por tropas do Exército brasileiro. Nos morros cariocas, soldados da PM afundam diariamente na impotência. Permanece na clandestinidade a Força Nacional de Segurança Pública inventada por Márcio Thomaz Bastos.

O pelotão do ministro desembarcou no Rio em maio passado – e sumiu. "Por que não repatriar imediatamente as tropas que fazem no Haiti o que poderiam fazer aqui?", sugere o deputado Fernando Gabeira. Certíssimo. O Exército aprendeu no Caribe como pacificar favelas.

Taça pousa na Casa Branca

A taça viajou até a Casa Branca para cair no colo do presidente George Bush. O estadista texano venceu com um cálculo audacioso:

"Retiraremos as tropas do Iraque depois da vitória final".

Presume-se, portanto, que os guerreiros de Bush – se tudo der certo para os EUA – voltarão para casa em 2040, 2050, algo assim.

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