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sábado, fevereiro 11, 2012

A disputa pela classe C - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 11/02/12


O controle político da chamada "nova classe média", que pode se transformar na célebre situação de a criatura se voltar contra o criador, tem provocado polêmicas a partir da explicitação da preocupação do ministro Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência e olhos e ouvidos de Lula na administração Dilma, no Fórum Social Mundial.
Ele chamou a atenção para a necessidade de não deixar a nova classe média "à mercê" dos meios de comunicação no país, sugerindo que são disseminadores de uma ideologia conservadora.
Ao mesmo tempo, chamou para o centro da luta política os evangélicos, com quem disse que as esquerdas devem disputar ideologicamente a massa dos emergentes.
Gilberto Carvalho chegou a falar na criação de um sistema de comunicação de massas para transmitir a esses novos consumidores as ideias do governo.
Anteriormente, ele já havia deixado claro que essa é uma preocupação prioritária do governo, pois a nova classe emergente seria, no seu modo de ver, "um pouco polêmica, porque não tem uma posição ainda consolidada".
Os evangélicos reagiram com vigor, e o ministro foi chamado até mesmo de "safado" pelo deputado Magno Malta, líder de um partido aliado do governo.
E a nova ministra da Secretaria das Mulheres, Eleonora Menicucci, mal assumiu e já se tornou alvo dos evangélicos por sua defesa do aborto.
O cientista político Amaury de Souza diz que não apenas a classe C, mas grande parte da população brasileira é conservadora "se por tal se entende o apego à lei e ordem e a um conjunto de valores relativos ao comportamento individual, à família e à vida em sociedade, muitos dos quais compõem o que se conhece por "moral cristã"".
Ele chama a atenção para a impossibilidade de uma classe que engloba a metade do eleitorado votar de forma homogênea.
"No entanto, os segmentos política e institucionalmente mais organizados da classe C, como os evangélicos, constituem uma formidável força política.
Basta lembrar o papel decisivo que desempenharam na eleição de 2010, capitaneando uma onda conservadora que levou a disputa presidencial ao segundo turno.
Se os evangélicos se tornarem antipetistas, o mérito, ironiza Amaury de Souza, será em boa medida do secretário-geral da Presidência Gilberto Carvalho, que convocou o seu partido a travar "uma disputa ideológica com líderes evangélicos pelos setores emergentes".
O ex-ministro Mangabeira Unger achava "decisivo" para qualquer orientação transformadora do Brasil o surgimento de uma nova classe média, e uma nova cultura de emergentes, "esse pessoal que estuda à noite, luta para abrir um negócio, ser profissional independente, que está construindo uma nova cultura de autoajuda e de iniciativa, e está no comando do imaginário nacional".
Dentro desse contexto, ele considerava que o movimento evangélico precisava ser visto "como um elemento entre muitos dessa nova base social.
São dezenas de milhões de brasileiros organizados".
Mangabeira desenvolveu a tese de que evangélicos brasileiros têm semelhança com pioneiros que fundaram os EUA e tinham o espírito empreendedor que faria a diferença para o desenvolvimento do Brasil.
O cientista político Alberto Carlos de Almeida, do Instituto Análise, acha que não são os políticos e os partidos que fazem a cabeça do eleitorado e doutrinam os grupos sociais, neste caso a classe C, "mas é o oposto que acontece".
Para ele, os políticos têm que adaptar seu discurso para uma nova maneira de pensar. "Assim, se a classe C for mais numerosa e mais conservadora, o PT precisará de um discurso mais conservador para se manter no poder".
O PT já fez isso e continua fazendo, ressalta, lembrando que na eleição de 2010 "o discurso de Dilma enfatizou a importância da classe média, de progredir na vida". Isso não foi feito pelo PT, por exemplo, na eleição de 2002 e 2006.
Alberto Carlos está convencido de que a nova classe C, seu aumento numérico, o aumento de sua renda e escolaridade "empurrarão todos para a direita".
Ainda nesta mesma direção, uma das coisas que acontecerá em breve, na sua previsão, é a demanda por um discurso político permanentemente a favor de redução de impostos.
"Os políticos irão atender a esta demanda, é só uma questão de tempo", diz ele.
O economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, criador do termo e um estudioso da "nova classe média", explica que a designação reflete "o sentido positivo e prospectivo daquele que realizou — e continua a realizar — o sonho de subir na vida. Mais importante do que de onde você veio ou está é aonde vai chegar".
Ele diz que "o que caracteriza a nova classe média é o lado do produtor. A carteira de trabalho é seu principal símbolo. É o que chamamos de lado brilhante dos pobres".
Marcelo Neri explica que quando as pessoas sobem na vida, começam a ter o que perder e ficam mais conservadoras.
Seu grupo na Fundação Getulio Vargas, em acordo com o Senai, produziu pesquisa sobre a educação profissional relacionada às ideias da nova classe media.
A educação profissional é "a cara da classe C", define Neri: "Mais que a cultura bacharelesca da classe média tradicional", como reflexo de novos valores, "um misto de buscar semelhança com a tradicional classe média e ter origens diferenciadas". (Continua amanhã)

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