Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 25, 2012

Na mesma roda - Miriam Leitão

O GLOBO - 25/02/12
O Banco Central consultou o mercado sobre até que ponto os juros podem
cair. Por "mercado" entenda-se 100 instituições financeiras e
consultorias que normalmente respondem pesquisas do Banco Central. A
resposta é que o nível de juros de equilíbrio é mais baixo do que já
foi no passado recente. Essa é a boa notícia. A que talvez o BC não
quisesse ouvir é que os juros atuais já estão até abaixo desse nível.

Antes que achem que eu fiz uma coluna criptográfica, vou tentar
explicar o mundo desse jogo de sinais com que BC e bancos se
comunicam. Na última ata do Copom, o Banco Central informou duas
coisas: que ele achava que a taxa neutra de juros - essa na qual não
há risco de inflação e o país continua crescendo - é mais baixa agora
do que antes; segundo, que os juros vão continuar caindo até ficar em
um dígito. A taxa Selic está agora em 10,5%.

A inflação em 12 meses está em queda, e o BC achou então que era boa
hora de fazer essa pesquisa. Qual era afinal a taxa de equilíbrio, ou
neutra, da economia brasileira? A resposta foi divulgada na
quinta-feira à noite. A média das opiniões é que hoje essa taxa real é
5,5%. Para achar a taxa real é preciso descontar da Selic a previsão
de inflação para os próximos 12 meses. Essa previsão de inflação
futura tem caído, o que ajuda mais um pouco, mas mesmo assim a conta
mostra que os juros reais praticados hoje são 5%. Ou seja, não dá para
cair mais e chegar a um dígito a não ser que os preços caiam mais. A
boa notícia é que na última vez que foi feita essa pesquisa, em 2010,
a resposta foi 6,75%, em vez de 5,5%, agora.

Pode-se concluir que o Brasil é mais capaz hoje de manter juros mais
baixos sem alimentar a pressão inflacionária, mas que esse ponto de
queda já foi atingido. Se o BC procurava um aval para novos cortes
ficou agora numa situação curiosa. Ontem mesmo os juros no mercado
futuro subiram.

A política monetária ideal é a que tem juros baixos, permite o país
crescer e mantém a inflação baixa. O problema é que o Banco Central
tem que manter as três bolas no ar ao mesmo tempo sem perder o
controle de nenhuma. Nem sempre os objetivos são coincidentes.

O real atingiu a maior cotação em relação ao dólar dos últimos três
meses e o Banco Central atuou para impedir uma alta maior da moeda.
Comprou para evitar que o dólar caia mais. A valorização do real ajuda
a derrubar a inflação, que está acima do centro da meta, mas, por
outro lado, aflige a indústria, que perde capacidade de competir com
as importações e tem dificuldades para exportar.

O dólar baixo tem produzido vários outros problemas. Esta semana saiu
divulgado um superdéficit na conta corrente de US$ 7,08 bi apenas no
mês de janeiro. A conta corrente junta tudo: o gasto com turistas que
vão, descontado dos turistas que vêm, exportações menos importações,
frete, bens e serviços do exterior. E ela virou esse mar vermelho
porque o dólar barato estimula todo mundo a viajar para o exterior, e
assusta quem quer vir para o Brasil. Os brasileiros gastaram quase US$
2 bi lá fora, no mês, e os estrangeiros gastaram aqui US$ 660 milhões.
Por isso, o câmbio que ajuda a derrubar a inflação é o mesmo que cria
outras distorções.

Há também uma enxurrada de moeda despejada pelo Banco Central
americano para estimular a economia. Os bancos centrais da Zona do
Euro, Inglaterra e Japão fizeram o mesmo, aumentaram a quantidade de
dinheiro em circulação. O resultado são moedas fracas nos países ricos
e moedas fortes nos emergentes. Menos a China, que controla o preço da
sua moeda com a mesma mão de ferro com que controla a manifestação de
opinião. Fica difícil competir com a China, não apenas pelos méritos
dela, mas pela distorção que ela cria na economia.

No Brasil, o BC também está reduzindo juros para estimular a economia,
que ficou estagnada no terceiro trimestre do ano passado, último dado
divulgado pelo IBGE. Mês que vem sai o último trimestre e deve
confirmar um crescimento do PIB em torno de 3% ou menos um pouco.

Apesar de crescer pouco, o Brasil está criando emprego. Em janeiro,
foram 119 mil vagas de carteira assinada, menos 22% do que janeiro do
ano passado, mas bom para esses tempos bicudos no mundo. Quisera a
Europa ter número assim. Já tem economista escrevendo que os 6% de
desemprego na média de 2011 já é pleno emprego. Tem que combinar com
os jovens de 18 a 24 anos que enfrentaram uma taxa de 13,5%.

O Brasil vai bem, dado o contexto geral, mas continua com velhos
dilemas. O dinheiro do BNDES, diz o economista Rafael Bistafa, da
Rosenberg & Associados, num argumento que já ouvi até no BC, é uma das
causas de se manter juros tão altos. O dinheiro barato na mão de uns
precisa ser compensado com crédito mais caro na mão de outros.

Comparado a outros emergentes, o Brasil é o país que oferece o menor
risco medido pelo CDS (Credit Default Swap) com maior retorno por alta
de juros. O CDS é o custo de comprar um seguro contra o risco de um
país não pagar. O título brasileiro com vencimento em 5 anos, por
exemplo, está em 136 pontos, abaixo do coreano, em 142. Mas os
contratos de juros brasileiros com vencimento em 1 ano pagam 9,6%
enquanto os coreanos pagam bem menos, 3,52%. É tentador para o
investidor internacional trazer dólares para o Brasil, o risco é baixo
e a rentabilidade via juros é alta. Se o dólar vem, derruba demais o
dólar. Estamos de novo no mesmo círculo.

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