Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Liberdade de imprensa duplamente violada - Paulo Brossard

ZERO HORA - 27/02/12

É de ontem o conflito instaurado entre a chefe do governo argentino e
a imprensa daquele país ou com a parte que se insurgiu contra a
unanimidade jornalística, que se pretendeu impor em relação aos meios
de comunicação. A situação de bom convívio se manteve até o chamado
"tarifaço agrário" decretado pelo governo de Cristina Kirchner; não há
quem ignore a importância do segmento agrícola, abrangente do
pecuário, naquele país e o relevo da questão criada; o complexo
capitaneado pelo jornal Clarín, o mais importante da Argentina, tomou
o partido do mundo rural e daí o seu afastamento do governo. A partir
desse momento, o Grupo Clarín passou a ser estigmatizado e, não tardou
o dia, foi em fins de dezembro, que 200 fiscais fazendários, de
inopino, invadiram a TV a cabo do grupo, levando consigo documentos da
empresa. Não durou muito, o Senado aprovou projeto declarando de
"interesse público" a fabricação, comercialização e distribuição de
papel-jornal. Ocorre que o papel-imprensa era fabricado por uma só
empresa que abastece 75% dos consumidores, 172 jornais em todo o país.
Vale salientar que dessa empresa o Grupo Clarín possuía 49% das ações,
o La Nación era titular de 22%, a República Argentina, 27,5%, e o
restante 1,5%, pequenos acionistas. Mas, com a iniciativa de batizar o
papel-imprensa como de "interesse público", proibiu que empresas
jornalísticas possuíssem ações do Papel-Prensa. Ora, o mais acanhado
observador não custaria a concluir que o Grupo Clarín ficava com seus
dias contados e, faz dias, foi divulgada a notícia de que o maior
jornal da nação suspendera dois suplementos em suas edições dominicais
por falta de papel... O caso não é novo. A própria Argentina já
conheceu coisa parecida; quando o peronismo começava também sua guerra
contra a imprensa e seus grandes jornais, La Nación e La Prensa
figuravam entre os maiores e melhores do mundo; o resultado está à
vista de qualquer do povo.
O que está acontecendo na Argentina, mutatis mutandis, aconteceu
também no Equador; um no sul do continente, de costas para os Andes e
voltado para o Atlântico, outro, voltado para o Pacífico, deixando os
Andes para o lado, ou seja, um fenômeno no Sul, outro de igual
natureza no Norte. Ambos antológicos. No Equador, uma ou duas pessoas,
referindo-se ao presidente Correa, disseram-no ditador. Certa ou
equivocada, tratava-se de mera opinião, errônea ou luminosa. Ora,
entre milhares de pessoas, dificilmente não haveria algumas centenas a
dizer o mesmo, com ou sem a intenção de ferir o bom nome do alvo, mas
com o propósito de caracterizar a atuação de um governante, e com
cujos atos não concordam. Procedimentos correntes em uma sociedade
democrática. Pois bem, a pessoa ou pessoas que tenham assim se
expressado foram condenadas a três anos de prisão e à condenação por
danos morais da ordem de US$ 40 milhões!
Não conheço nação democrática que tenha legislação semelhante. Os
presidentes Obama e Sarkozy são assim tratados uma vez por ano, senão
mais, ou por mês, ou por semana, ou por dia, ou por hora, por motivos
concludentes ou por meros preconceitos; quem não lembra de Churchill,
até chegar a primeiro-ministro em 1940, era um dos homens mais
malquistos da Inglaterra, e jamais se lembrou ele de ocupar-se dos que
o desestimavam. E era Churchill.
Por falar em Churchill, não resisto em lembrar livro recente do
professor Nigel Knight intitulado Churchill Desmascarado. Ao longo de
450 páginas, sustenta ele que nada fez de bom, de útil ou de belo.
Tudo errado. As derradeiras palavras dizem tudo: "Foi Hitler que
tornou Churchill uma figura histórica" da qual "nos lembramos de
Churchill, acima de todo o resto, pela derrota de Hitler. Hitler,
entretanto, é lembrado por si mesmo"!!!
Ora, a todas as luzes, o que está ocorrendo na Argentina e no Equador,
pela desproporção das penas impostas, criminal e indenizatória,
deixando de concluir que não são sanções dotadas de um mínimo de
razoabilidade, e porejam sentimentos próprios de uma inimizade capital
com a liberdade de imprensa. Os maus exemplos também se reproduzem e,
quiçá, com abundância maior do que os bons. Este é o mal que, depois
de tantos erros a propósito, começa a aparecer e deitar sementes, o
que é perigoso para todos, e até de onde menos se espera. A liberdade
de imprensa, escreveu Rui Barbosa, é a primeira das liberdades, só que
há alguns que não a estimam.

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