Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 21, 2012

Uma chance para Obama - MYLES FRECHETTE e JOHN MARIO GONZÁLEZ

O GLOBO - 21/02/12

Em setembro de 2008, em plena turbulência da crise financeira desatada naquele ano, o então ministro das Finanças da Alemanha, Peer Steinbrück, afirmou, diante do Bundestag, câmara baixa do Parlamento alemão, que "os EUA perderão seu status como grande potência do sistema financeiro internacional" e, poucos meses depois, o então presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, acusava pessoas "brancas de olhos azuis" de provocar a crise mundial.

Os comentários, feitos como parte de um ciclone de digressões sobre um declínio de poder dos EUA após os atentados das Torres Gêmeas em 2001, embora ressalvassem a complexidade dos esforços para enfrentar a ameaça terrorista e a resiliência dos EUA, mostravam os enormes desafios que seu próximo presidente enfrentaria. Também ressaltavam que entre suas prioridades dificilmente estaria uma política ativa para a América Latina.

Como o demonstraria a frenética atividade do presidente Obama desde janeiro de 2009, sua agenda estava focada em superar os problemas ocasionados pelo estouro da bolha imobiliária, os do sistema financeiro, do emprego, da crise Afeganistão-Paquistão e Iraque, assim como aprovar a reforma da saúde.

Alguns esforços de Obama, como sua declaração na Cúpula das Américas de Trinidad e Tobago em 2009 de que "não há sócio principal e sócio menor em nossas relações, que se baseiam simplesmente num compromisso de respeito mútuo, interesses comuns e valores compartilhados", foram afogados pela cacofonia populista antiamericana de outros mandatários latino-americanos. Igualmente, seu propósito pessoal de impulsionar uma relação especial com os líderes de Brasil, Chile e México, ao recebê-los na Casa Branca em 2009, e ao visitar seus sucessores no Brasil, Chile e El Salvador, em março de 2011, teve resultados modestos.

Embora o afã da diplomacia americana seja louvável, como demonstra o fato de Hillary Clinton ter viajado com mais frequência à região que qualquer outro secretário de Estado na história moderna dos EUA, e mantenha o compromisso em programas críticos para combater o narcotráfico e aumentar a segurança em México, América Central, Caribe, Colômbia e outros países andinos, o cenário foi desperdiçado.

Se a ausência de uma política externa americana mais dinâmica na América Latina possa ser entendida à luz da situação de crise, as circunstâncias atuais delineiam um contexto distinto e mais promissor para relançar uma política ambiciosa para a região. A próxima Cúpula das Américas, dias 14 e 15 de abril, em Cartagena, na Colômbia, oferece uma conjuntura peculiar para que o presidente Obama possa apresentar as novas linhas de uma política para a América Latina, na qual deveriam estar presentes pelo menos uma agressiva posição de luta contra as drogas internamente, nos EUA, e o compromisso decidido de impulsionar a reforma da política para os imigrantes.

O presidente Obama obteve êxitos em sua política externa a partir de complexas cirurgias políticas que não só demonstram sua extraordinária capacidade como também o fato de que o declínio dos EUA parece não figurar num futuro próximo. Muitos já são os exemplos dessas complexas, e em vários casos exitosas, operações políticas, tais como a Primavera Árabe e a operação na Líbia, a estratégia para Afeganistão-Paquistão, a abertura do regime de Myanmar, o recente aumento de tropas na Austrália e da presença no Mar do Sul da China ou a estratégia de aproximação com as ambições nucleares do Irã.

Apesar do contexto de hostilidade de algun governos na América Latina, e inclusive em razão disso, aumentam as razões para elevar o status das relações entre os EUA e a região. Prova disso é a designação pelo governo Obama de um enviado especial para a América Latina.

Em primeiro lugar, porque, a continuar a recuperação econômica e da confiança nos EUA, a reeleição de Obama não é somente um cenário altamente factível, como poderá se tratar de um mandatário com estatura internacional sem precedentes. Suas conquistas permitiram mudar a imagem dos EUA no mundo e a reverteram na América Latina, como evidencia a pesquisa Latinobarômetro de 2011, na qual Obama aparece como o presidente mais bem avaliado e em que dois terços da população latino-americana (72%) mostraram uma atitude favorável aos EUA, aumento de 15 a 25 pontos em relação a 2008.

Em segundo lugar porque enormes podem ser os ganhos para o Hemisfério com um trabalho mais agressivo de coordenação política que faça contrapeso ao discurso hostil aos EUA adotado por alguns mandatários. Embora na região tenha havido nos últimos 20 anos inúmeros foros de negociação política, com a tendência recente de excluir os EUA, seus resultados têm sido mais vagos e retóricos que práticos. O presidente Obama poderia explorar a viabilidade de impulsionar a OEA ou um organismo com maiores condições de aprofundar a integração política.

Adicionalmente, o comércio entre os EUA e a América Latina e o Caribe alcançou US$ 524 bilhões em 2009. Apesar de o comércio da América Latina com a Ásia ter crescido em ritmo acelerado, os EUA seguem sendo o destino mais importante das exportações da América Latina e do Caribe, que também são um destino primordial das exportações americanas.

Finalmente, na América Latina há alguns presidentes com uma liderança construtiva em relação aos EUA que poderão apoiar uma aliança mais ambiciosa em benefício da região, como os mandatários da Colômbia, Juan Manuel Santos, de El Salvador, Mauricio Funes, ou do Chile, Sebastián Piñera.

O momento para o relançamento das relações entre os EUA e a América Latina passa por uma conjuntura singular, entre outras coisas, porque, contrariamente às digressões que anteciparam um declínio do poder e do papel dos EUA, a tendência de superação de sua crise pode catapultar o país para o exercício sem precedentes de sua liderança.

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