A palavra paradoxo vem do grego: pará = contra; dóksa = opinião. E
mestre Houaiss ensina que, além de indicar uma opinião contrária à
comum, pode denotar algo "estranho, bizarro, extraordinário".
O que vem bem a propósito do socorro que a União Europeia (UE) e o
Fundo Monetário Internacional (FMI) propõem à combalida Grécia -
extraordinário, sim, mas meio bizarro e estranho o bastante para um
trocadilhista dizer que se trata de presente de grego. No caso, para
grego, pois o paradoxo que transparece no pacote é que ele anula sua
finalidade. Seu objetivo principal, segundo declarações dos
socorristas, é que a economia da Grécia volte a crescer a fim de que
ela possa pagar o auxílio recebido.
Todavia, como o Produto Interno Bruto (PIB) grego pode voltar a
crescer o bastante para que o país pague o socorro recebido, uma vez
que o peso das condições impostas para receber o auxílio arrocha o PIB
da Grécia? Com o salário mínimo, as aposentadorias, as despesas do
governo, o funcionalismo público e as rendas internas do país
substancialmente cortados, de onde virá consumo suficiente para puxar
o trem da economia?
A suposição, ao que parece, é que o governo grego, livre de boa parte
das dívidas e das despesas com funcionários, aposentados, etc., vai
dispor de mais recursos para investir, e seus investimentos levantarão
a economia. Mas vai investir em quê? Na produção, em transportes,
fábricas, portos, ferrovias, aeroportos, armazéns, ou o que seja? Mas,
então, o governo estará aumentando seus gastos, injetando dinheiro na
economia e favorecendo a inflação - justamente o que se temia que
acontecesse sem o socorro.
O governo grego teria, pois, de investir em coisas que não
inflacionassem os meios de pagamento internos e que trouxessem
dinheiro do exterior. Por exemplo, uma astronômica campanha
publicitária mundo afora para trazer turistas endinheirados que
gastassem divisas dentro da Grécia. Mas a receita de turismo da
Grécia, que já deve ser enorme, não bastou para equilibrar suas
finanças, e dificilmente pode ser aumentada, seja qual for o gasto em
publicidade no exterior.
Em suma: a Grécia recebe uma polpuda mesada para acalmar seus credores
e um perdão de dívidas, que cairão de mais ou menos 160% do PIB para
algo como 120% do PIB. Ou seja, a dívida continuará enorme. E, como o
PIB vai diminuir, em razão das medidas contracionistas previstas no
acordo, é possível que o remanescente da dívida ocupará, em relação ao
PIB, o mesmo porcentual da dívida original.
Alguém pode sugerir um paradoxo grego mais perfeito do que esse?
É por isso que "o pacote grego não convence" - como dizia o título do
comentário do nosso colega Alberto Tamer, na última quinta-feira.
Porque, além da falta de confiança na firmeza do governo grego em
cumpri-lo, que leva à descrença, o pacote encerra um paradoxo digno
dos de Heráclito, Epicuro, Zenão ou de qualquer outro filósofo grego
menos votado.
Mas essa história contém algo mais grave: a perplexidade sobre o
porquê das atuais instituições multinacionais.
A União Europeia surgiu para promover o progresso, o bem-estar e a
harmonia na Europa, dotá-la de massa crítica capaz de fazer frente não
só ao "desafio americano" - advertido há muitos anos no livro de
Jean-Jacques Servan-Schreiber -, mas aos desafios que se agigantaram
depois: da Rússia, da China, do Japão.
E o que acontece?
A União Europeia, em vez de solução, vira problema, atravanca o
progresso no mundo e tropeça nas próprias pernas: não consegue que
suas regras sejam respeitadas por seus membros e não atina com uma
solução consequente para as dificuldades de um dos seus menores
membros.
O FMI, por sua vez, joga na lateral, sem saber o que fazer e dizer.
Na área política, a Organização das Nações Unidas (ONU) surgiu para
administrar a paz, tornar o mundo menos perigoso e promover a harmonia
entre os povos.
E o que acontece?
Neste momento, três países atravancam a estrada da harmonia e do
progresso pacífico. Três pins in the asses - diriam os americanos:
Síria, Irã e Israel, com três povos cuja história se perde na noite
dos tempos, e que nada aprenderam com ela. Agem contrariamente aos
melhores propósitos da comunidade internacional. E ninguém, nem a ONU,
nem os grupos paralelos das grandes potências ocidentais, nem a UE,
nem países historicamente pacíficos, como o Brasil e o Canadá, por
exemplo, podem fazer qualquer coisa para tirar aqueles pins do ass do
mundo.
A conclusão é de que o mundo ainda não foi capaz de criar instituições
multinacionais capazes de exercer com eficácia o papel civilizador que
delas se espera.
Então, de duas uma: ou os atuais líderes mundiais se empenham nisso
com afinco, ou o mundo voltará ao estado de semibarbárie do século 19,
em que a imposição pela força das armas era a regra.
Só que os anões de jardim que nos lideram hoje em dia - de Angela
Merkel a Barack Obama, com Sarkozy, Putin, Cameron, etc. - só pensam
em ficar bem na fita. Assim, está difícil apostar num futuro melhor.