O mercado, os banqueiros e a União Europeia, com suas exigências de
austeridade, são os culpados pelas desgraças da Grécia - tal é o
entendimento que se espalha, como se fosse fato conhecido e
indiscutível. Mas quais teriam sido os responsáveis pela boa vida dos
gregos até a crise global de 2008/09? Se perguntarem aos manifestantes
nas ruas de Atenas, eles dirão que tudo ia bem até que a crise
financeira estragou tudo.
Eles têm razão num ponto - a vida de fato estava melhorando. Em 2001,
por exemplo, o salário mínimo era de 5.300 euros. Em 2009, já havia
alcançado 8.400 e, em 2010, já no auge da crise ainda subiu mais um
pouco, para 8.600 euros. O ganho na década foi de 62%, em valores
nominais. Mas a inflação no período correu na casa dos 3,5% ao ano -
nível de euro - de modo que o ganho real foi expressivo.
Os salários reais na Grécia cresceram 22% naquele mesmo período. O PIB
per capita saiu da casa dos US$ 20 mil dólares/ano para os 30 mil,
nível de país quase desenvolvido (o Brasil, por exemplo, de renda
média, tem cerca de US$ 12 mil).
Finalmente, do início do século até a eclosão da crise, a Grécia
cresceu, na média, 4% ao ano.
Qual foi a causa próxima? A adesão à moeda comum, o euro, em 2001. A
taxa de juros caiu rápida e fortemente, barateando o financiamento
para investimentos e consumo. Crédito barato, eis o nome da coisa.
Mais que isso, a adesão ao euro foi a cereja do bolo. A Grécia aderiu
à União Europeia em 1981. Era um país pobre. Enriqueceu, em boa parte
por conta dos europeus mais ricos. Nessas três décadas, a Grécia
recebeu uma ajuda anual da UE - na forma de financiamentos subsidiados
e investimentos a fundo perdido - equivalente a pouco mais de 3% do
PIB ao ano. Sempre esteve entre as nações mais favorecidas pelo
sistema de transferência de renda da comunidade europeia. (Hoje, os
gregos reclamam da interferência do governo europeu. Antes,
apreciavam.) E cerca de 15% da economia grega vinham direto dos
turistas, sobretudo da Europa.
Além disso, a Grécia sediou a Olimpíada de 2004, o que exigiu pesados
investimentos em infraestrutura. Foi uma festa. E o começo da
desgraça. Gastos mal feitos, obras equivocadas (instalações inúteis
depois dos Jogos), atrasos e corrupção, muito dinheiro público torrado
com pouca eficiência, tudo isso deixou uma herança maldita. (Atenção,
Brasil.)
Não se pode dizer que a enorme dívida pública grega veio da Olimpíada.
Buracos desse tamanho se constroem ao longo de muitos e muitos anos.
Mas foi um sinal - os Jogos de 2004 pareciam colocar a Grécia de volta
ao lugar que ocupara no passado. Foram mais uma semente da tragédia.
O que mais eles fizeram de errado? Primeiro, gastaram por conta, sem
se preocupar, por exemplo, com a expansão dos investimentos. Depois, o
governo, também enriquecido pelos ganhos de arrecadação, contratou
muito mais gente do que precisava e foi generoso nos salários e nas
aposentadorias. Amplos setores sociais foram legal e ilegalmente
beneficiados.
Os armadores, por exemplo, responsáveis por mais de 6% de economia
grega, estavam isentos de impostos. Diversas categorias profissionais
também estavam dispensadas desse aborrecimento. E a Receita fazia
vistas grossas para muitos outros. E, finalmente, o Estado manteve o
controle de 40% da economia - com a ineficiência e a corrupção das
entidades estatais, e o costumeiro viés favorável aos funcionários de
mais alto nível.
Sim, os bancos emprestaram irresponsavelmente para o governo grego,
sabe-se agora. Mas se tratava de um país associado ao euro, moeda que
tinha a garantia da Alemanha e da França, não tinha? (Aliás, o novo
pacote de ajuda à Grécia confirma que havia essa garantia, não é
mesmo?) Além disso, o governo grego falsificou seus números e
conseguiu enganar muita gente durante muito tempo.
Diz-se hoje que a Grécia, depois de dois anos de austeridade imposta
pelo mercado, pelos banqueiros, pela União Europeia e pelo FMI, só
piorou, o que demonstraria que a receita não presta. Entretanto, mesmo
depois de receber o primeiro pacote de ajuda, o governo não cumpriu o
programa prometido.
Não, a culpa não é dos mercados e de seus associados. Se estavam todos
no mesmo mercado e se os países sofreram a crise de modo diferente, a
explicação para essas diferenças está em casa.
E não esqueçam. O chamado mercado, o sistema capitalista global,
propiciou nada menos que três décadas de expansão. Muitos países
perderam a chance, outros aproveitaram. A Grécia aproveitou muito.
Muito.
O chamado
mercado, o
sistema capitalista
global, propiciou três décadas de expansão