O Globo - 16/02/2012 |
A sorte é que tem sempre alguém em situação pior que a gente. Como tudo na vida é comparação, fica fácil melhorar o desempenho, qualquer tipo de desempenho. Está se achando meio burro por não entender a dívida grega? Tranquilo. Tem gente que se espanta antes. "Aquele grego não te pagou? Manda pro pau." Aliás, é mais ou menos o que o governo alemão quer fazer, mas não vem ao caso aqui. O fato é que até a Grécia encontra países e povos em situação pior. E nem precisa uma nação africana desgraçada pelos conflitos internos. Por exemplo: o FMI e a União Europeia acham que o salário mínimo grego é muito elevado (retirando competitividade da economia) e querem reduzi-lo para cerca de 570 euros ao mês. Isso dá R$ 1.300, o dobro do brasileiro e certamente maior que em todo mundo emergente. "Acha ruim? Pois vai trabalhar pelo mínimo lá no Rio" - pode dizer uma autoridade aos manifestantes em Atenas. E se lá eles conseguem, imaginem o que se pode fazer com os números brasileiros, muito superiores. Acrescentem aí a especial habilidade do ministro Guido Mantega em escolher as comparações, digamos, mais positivas - e, pronto, o Brasil não perde de ninguém. O Brasil, em geral, não. O Brasil dele, da presidente Dilma e de Lula. Antes, perdia tudo. Por exemplo: o mundo está desacelerando neste ano, enquanto o Brasil, na "contracorrente", segundo nota no site do Ministério da Fazenda, enfia o pé na tábua. Verdade. Segundo o FMI, o mundo crescerá 3,3% em 2012, contra os 3,8% do ano passado. E peguem logo a China. Pois é, também desacelerou em 2011 e agora está crescendo em ritmo menor ainda. Só que o andar para trás da China significa crescer 8,2% (contra 9,2% do ano passado). E a Índia cai de 7,4% para apenas 7%. Já o "pra frente Brasil", no caso, significa avançar dos 2,9% estimados para 2011 para... quanto mesmo? O ministro Mantega diz que vamos para 4,5% - um "belo crescimento" - se a Europa não atrapalhar. E, se atrapalhar, 4%, o que estaria bom. Já no Banco Central, que também é governo, o pessoal acha que o país deve conseguir fazer uns 3,5%. Fora do governo, a previsão é ainda um pouco menor. Para o FMI, o Brasil cresce neste ano ao ritmo de 3%. Mas, se a gente deixar de lado esses detalhes dos números, a comparação continua de pé. O mundo vai para trás, a gente para a frente, ainda que seja de pouquinho para pouco. Não se pode querer tudo, certo? Bom, mais ou menos. Ocorre que há países importantes também acelerando. Estados Unidos, por exemplo, cresceram 1,7% no ano passado e devem subir para 2%, com viés de alta. O Japão, recuperando-se do tsunami, também vem em ritmo mais forte. Assim, a frase mais correta seria: todo o mundo desacelera, menos alguns países como os EUA e Japão, além do Brasil, é claro. É o nosso novo G-3. Verdade também que estamos comparando o que aconteceu com o que acreditamos (ou dizemos) que vai acontecer. É outro método de melhorar o desempenho, comparar a dura realidade com um futuro espetacular, como os 4,5% do ministro. Em 2011, aí sim, é universal, todo o mundo desacelerou, inclusive, acreditem, o Brasil. Só que nosso tombo foi maior. O PIB, que se expandira a 7,5% em 2010, deve ter crescido menos de 3% no ano passado. Este número também nos coloca na rabeira dos emergentes. Águas passadas, diz o ministro, esperem por 2012. Dizem que, em economia, tanto no pessoal quanto no macro, deve-se adotar o pessimismo ou, relaxando, pelo menos algum ceticismo. Esperando o pior ou temendo o perigo, as pessoas e governos preparam-se melhor. O otimista, acreditando que vai dar tudo certo, arrisca-se além da conta e, assim, contrata prejuízos. Por outro lado, como mostram ainda mais pesquisas recentes, economia é psicologia. O baixo astral derruba, sim, a atividade econômica. E, se for assim, as autoridades econômicas têm o papel adicional de animar o país. "Vamos lá pessoal, aos shoppings, às fábricas, que a coisa vai bombar" - parece nos dizer o animado Mantega. O problema é ele acreditar mesmo na animação e não se concentrar nos importantes problemas o país deveria enfrentar. Porque, vamos falar francamente, o Brasil não é um caso excepcional. Vai bem naquilo que vão bem muitos emergentes que fixaram bases estáveis na macroeconomia e vendem muito para a China. E vai mal, como os outros, na baixa competitividade de suas indústrias. Também aqui se pode dizer que tem gente pior. Mas chega uma hora em que a pessoa, a sós, precisa se comparar com... ela mesma. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, fevereiro 16, 2012
Tudo é relativo, mas . . . Carlos Alberto Sardenberg
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