O Globo
Publicado em 19/02/2012
Eis-me de volta e parece que foi ontem que saí de férias, sensação agravada pela circunstância de que não cheguei a descansar. Por mais que eu tente, o repórter que nunca consegui ser, mas sempre invejei, insiste em pedir outra chance e, mesmo sabendo que mais uma vez não vai dar certo, acabo cedendo. Não parei de cobrir os acontecimentos locais e de me inteirar das novidades para passá-las aos leitores, sempre ávidos por saber como estão as coisas lá na ilha. É muito material e não sei se o espaço será suficiente, mas claro que não perderei a oportunidade de demonstrar um tremendo esforço de reportagem, o que sempre foi meu ideal jornalístico. Começo pelas más notícias, para tirá-las logo da pauta. Peço um minuto de silêncio por Benebê, Bertinho Borba e Gueba (não tem mais trema e aí me vejo obrigado a explicar entre parênteses que o U do apelido dele se pronuncia), que deixaram nosso convívio. Benebê, mulato de olhos verdes, alto, desempenado e bonito, era um cavalheiro nato e todo mundo vai ter saudades dele. Estava velhinho e já se esperava o desenlace, mas isto não consola, ele vai fazer falta. Quem ouviu não esquece e até hoje comenta o que ele disse, certa feita no bar de Espanha, depois de pensar muito: "O mundo é perfeito." Dito por um jovem qualquer, seria tido na conta de insensatez. Dito por Benebê, pegava profundidade e ninguém se autorizava a contestá-lo levianamente. Bertinho, um ano menos velho que eu, jogou bola comigo e continuávamos a nos dar muito bem, só que ele se recolheu depois da aposentadoria e nunca mais botou o nariz fora de casa, todo mundo respeitava - e assim ele viveu seus últimos vinte ou mais anos. E com Gueba partiu o vendedor de mariscos mais antigo do Mercado, prestidigitador melhor que qualquer profissional, como atestava sua habilíssima manipulação de camarões ou lambretas, ocasião em que, magicamente, os graúdos permaneciam em seus recipientes e somente os miúdos passavam para a sacola do freguês. Sim, e morreu Arquivo também, mas, em relação a este, o que se comenta é a suposição, difundida amplamente entre os que o conheceram, de que ele está encontrando dificuldades em ser aceito no inferno. Não há dúvida de que os muitos agentes do Capeta em atividade no Brasil já deviam ter avisado lá embaixo que Arquivo seria um fator de desestabilização no inferno, e alguns cidadãos opinam que, inadvertidamente, deixaram que ele entrasse, mas já o expulsaram, depois que ele desacatou Satanás em pessoa. A controvérsia permanece, mas, felizmente, o fantasma dele não apareceu para assombrar. Fala-se que muitos conterrâneos têm feito uns ebós e uns despachos para evitar que ele arribe em Itaparica outra vez e, em lugar disso, baixe em Salvador, que hoje em dia está de um jeito tal que ele nem seria notado. Mas chega disso. Alegra-me comunicar que Xepa, Beto Atlântico (cada vez mais rico milionário) e Toinho Sabacu se encontram em esplêndida forma. Gugu Galo Ruço e Marquinhos de Edna, cada um também mais rico milionário que o outro, vão fretar um Boeing para ir fazer lipoaspiração de cachaço, bochecha e barriga na América do Norte, decisão tomada depois que ambos cravaram 114 de colarinho, no dia em que botaram gravata para serem homenageados pelos bancos em que têm contas. Quanto às barrigas, faz muito que eles não veem os pés e fazem as unhas orientando as pedicuras por meio de monitores de televisão. Eles ficaram assim de tanto se atufarem daquelas comidas de rico milionário, sarapatéis de tripa de faisão, acarajés de trufas brancas, doces de leite de panda e moquequinhas de ostras frescas da Normandia. A greve da Polícia Militar rendeu muito assunto e um dia correu o boato de que estava havendo um arrastão na ilha. O comércio e as casas se fecharam e almoçamos trancados no Restaurante do Negão, que felizmente é meu amigo e fez uma exceção. Mas não houve arrastão nenhum. Ainda bem, porque nosso quinhão de cenas de violência já era suficiente. A briga de uns dezoito cachorros em torno de uma cadela metidíssima a gostosa, em plena luz do dia e bem em frente à pensão de Esmeraldo, foi uma cena lamentável, o couro comeu solto e os que entendem cachorrês ficaram estarrecidos com os baixos latidos empregados. Assim também se passou, em inúmeras ocasiões, com os desentendimentos espalhafatosos entre os sanhaços, os sabiás, os bem-te-vis, os saguis e outros habitantes e visitantes da mangueira lá de casa. Tem um sabiá novo, que, não sei por quê, Xepa chama de Edson, de gogó privilegiado e talento de improvisador, mas exibido em demasia e vai ver que é descendente de Waldik, o famigerado sabiá de finado Ezequiel. Ezequiel às vezes tinha de sair de casa para não ficar ouvindo Waldik cantar sem parar dia a noite, só calando o bico depois que a luz era apagada e a televisão ou o rádio eram desligados. Ezequiel deixava a gaiola aberta, para ver se Waldik se mancava e ia fazer a serenata dele em outro lugar, mas ele não ia embora, gostava era da casa, comida e pena lavada que pegava sem fazer força. Edson parece ir no mesmo caminho, espero que no próximo ano arranje uma namorada e se mude. Nada contra o bel canto, mas tudo tem limite e ele não está com essa bola toda, deixa muito a desejar em matéria de repertório, se comparado a Aguinaldo, seu saudoso antecessor, ou ao próprio Waldik. Mas vejo que, como eu temia, o espaço não vai dar. Tenho que adiar para a próxima semana a história pungente de como um pai desnaturado vingou-se da família da mulher através dos próprios filhos, narrativa para quem tem nervos de aço. E, claro, também preciso informar sobre as visitas que Zecamunista me fez e, finalmente, dar meu almejado furo de reportagem. Não conto agora, mas acho que Zecamunista vai acabar conseguindo mudar o país.
Entrevista:O Estado inteligente
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