Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, fevereiro 22, 2012

Miriam Leitão - Sombras na economia



O Globo Publicado em 22/02/2012


Há uma coincidência infeliz: os países mais dependentes do petróleo do Irã são os mais encrencados na crise da Europa. A Itália e a Espanha importam do país 13% do que consomem. A Grécia - sempre ela - é a que mais importa: 14%. O acordo fechado ontem com os gregos dará um alívio, enquanto o mundo contrata outro problema para perturbar a economia de 2012. A cotação do petróleo bateu no pior nível do ano passado. O Irã começa a tomar a decisão que se sabia que tomaria, antecipar-se às sanções e suspender o fornecimento de petróleo à Europa. Começou pelo Reino Unido e França, o que tem apenas valor simbólico. Os dois países compram pouco do Irã: 11 mil e 49 mil barris/dia, respectivamente. Os 27 países da União Europeia compram do Irã apenas 4% do que consomem. O risco fica com os países mais dependentes. Da perspectiva do Irã, o continente absorve 18% do que o país exporta. É um importante mercado para os iranianos. No ano passado, após a sucessão das revoltas árabes, principalmente a guerra civil que tirou a Líbia do mercado, o petróleo superou US$ 120 o barril; nível ao qual volta agora. A elevação do ano passado acabou atrapalhando processos de recuperação de economias mais expostas ao preço do petróleo, como a dos Estados Unidos. As famílias americanas perderam parte da renda disponível porque lá o preço é imediatamente transferido para as bombas. Esse dinheiro deixou de ser gasto em bens de consumo e também no pagamento de dívidas. A Agência Internacional de Energia (AIE) informou que os estoques mundiais estão no nível mais baixo em 15 anos, por causa da guerra civil da Líbia. Mesmo assim, abastecimento não é problema porque a Arábia Saudita continuará acudindo o Ocidente, em troca do silêncio sobre o governo ditatorial e repressivo da família Saud. Consultorias internacionais avaliam que o ambiente econômico mundial perderá força ao longo do ano exatamente por essas dificuldades, apesar de o mundo estar respirando aliviado desde a longa reunião de 13 horas em Bruxelas que acabou selando um acordo com a Grécia. Os bancos terão que dar desconto de 53,5% na dívida bancária dos gregos. Ainda não está muito claro se isso valerá para o Banco Central Europeu (BCE), que também é um dos carregadores dos títulos da dívida grega. O empréstimo de 130 bilhões é bem menos sólido do que parece. É empréstimo plurianual, será liberado em parcelas, está condicionado a uma série de requisitos que terão que ser cumpridos para que novas parcelas sejam liberadas. Se a Grécia fizer todo o ajuste exigido, chegará a 2020 com 120,5% de dívida/PIB. Nunca tantos emprestaram tanto por tão pouco. O mais relevante sobre o acordo grego é que não se pode garantir que este seja o começo do fim da crise europeia. O governo a ser eleito na Grécia em abril pode não cumprir o acordo. Não está afastado o cenário do contágio de outros países da região. No caso do Irã, o mais relevante é que de novo o mundo flerta com o abismo. Seria trágico abrir-se uma nova frente de guerra que pode ter como consequência conflitos no Estreito de Ormuz, fundamental para a logística do petróleo. Para Israel, uma nova frente de guerra é conveniente para o governo de extrema-direita, que precisa alimentar a sensação de que o país está sempre sob ameaça. A paz duradoura pode significar o fortalecimento de grupos mais moderados do país e a redução da ajuda bilionária do Ocidente. Nos Estados Unidos, a cúpula militar, que está vendo seu orçamento ser cortado com a redução do aparato e das tropas nas guerras do Afeganistão e Iraque, ganharia novo apoio e mais nacos dos gastos públicos. Um novo conflito favoreceria o discurso belicista do Partido Republicano. Para o próprio Irã esse é o cenário que fortalece Mahmoud Ahmadinejad, que não por outro motivo gosta tanto de vincular o programa nuclear iraniano à sua liderança. Um conflito no Golfo Pérsico seria muito interessante para muitos. Aí é que mora o perigo. A consultoria inglesa Capital Economics acha que a alta do preço do petróleo não tem a ver necessariamente com a instabilidade no Oriente Médio, mas sim com o excesso de dinheiro em circulação, que foi resultado da ação de vários bancos centrais no combate à crise econômica. Acredita ainda que a recuperação mundial alimenta o otimismo que permite a recuperação dos ativos. Tanto que o gráfico abaixo mostra isso: os índices das bolsas do mundo acompanham a elevação do preço do petróleo. A Vitol, uma das maiores empresas que comercializam o petróleo no mundo, estima que o preço do barril pode subir até US$ 150 caso haja um conflito armado com o Irã. Há novas sombras de incerteza sobre a economia.

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