O Estado de S.Paulo - 18/02/12
Um dos principais motes da política industrial do governo Dilma são as exigências de maior conteúdo local.
Quem ouve essa música dificilmente deixa de assoviá-la. Ninguém pode ser contra proposta que procure prestigiar o produto nacional, garantir mais emprego no País e contribuir para a expansão do setor produtivo, ainda que provisoriamente tudo fique mais caro e possa não ter tanta qualidade.
Na prática, tanto montadoras como empresas de autopeças importam cada vez mais (veja gráfico). E é complicado definir o que é "conteúdo local" num quadro de aprofundamento da globalização e considerando a baixa competitividade da indústria local.
Há meses, por exemplo, a questão do conteúdo local emperra a adoção de uma política para o setor. O governo exige que montadoras operem com ao menos 65% de peças de fabricação regional (incluído o Mercosul). No caso do acordo com o México, a cláusula é de 50%. Mas o que são esses números?
Montadoras instaladas no Brasil entendem que esse conceito deve ser estendido a todas as despesas que incorram na produção e nas vendas. Por isso, põem na conta não só o que pagam pelas peças adquiridas no País, mas demais despesas administrativas: salários, impostos, verbas de publicidade ou de promoção, gratificações à diretoria, remessas às matrizes.
Por isso, dirigentes do setor de autopeças denunciam que o índice de conteúdo local não ultrapassa os 21%, como mostrou matéria de Anne Warth, da Agência Estado.
Mesmo conjuntos fornecidos por produtores de autopeças instalados no Brasil (um motor da Bosch, por exemplo) podem conter inúmeros componentes importados. No entanto, para efeito dessa contabilidade, essa despesa vem sendo considerada "conteúdo local".
Substituir o critério de preço pelo de custo não dirime o problema. Preço e custo de qualquer coisa se põe onde quer, sobretudo em empresas de capital fechado que não divulgam balanço. Basta levar em conta que o produtor mais ineficiente é o de custos mais altos. Será esse o critério de medição do que seja "conteúdo local"?
Uma das propostas do governo federal é incentivar a criação de tecnologias. E, no entanto, dificilmente o Brasil poderá ser uma plataforma de tecnologia de ponta no setor de veículos. Essas coisas acontecem em centros avançados, nos laboratórios ultra-especializados ou nas pistas de corrida, que custam centenas de milhões de dólares.
Questão ainda mais profunda consiste em saber até que ponto o governo pode exigir conteúdo local (seja qual for o critério que o defina) sem cuidar primeiro da competitividade de todo o setor produtivo (e não só da indústria).
Se tanto as montadoras quanto o setor de autopeças vêm perdendo seguidamente mercado externo porque "não têm preço", novas exigências como as que vêm sendo preparadas pelo governo Dilma conseguirão, no máximo, certa reserva do mercado interno. Não conseguirão levar nem as montadoras nem o setor de autopeças a exportar.