Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 02, 2011

A empada e a azeitona. Rolf Kuntz

O ESTADO DE S PAULO
O ministro da Educação, Fernando Haddad, foi ao Senado, ontem, para
discutir as últimas grandes bobagens de seu Ministério e, portanto,
para mais uma grande sessão de perda de tempo. Ele só foi convidado
porque sua pasta, como tantos outros setores da administração federal,
continua gastando energia e dinheiro com assuntos e objetivos errados.
No Brasil, fala-se muito sobre a azeitona e cuida-se pouco da empada.
Briga-se muito por um Código Florestal, enquanto defensores da
floresta são assassinados. Mata-se à vontade, porque um Código muito
mais importante, o Penal, pouco vale neste país. Encoraja-se o crime,
porque outro Código, o de Processo, permite postergar por 11 anos a
prisão de um assassino confesso. A ineficácia da lei penal, a
persistência dos baixos padrões educacionais, a transformação do
magistério em profissão de risco, os orçamentos de mentira e as tantas
outras aberrações tipicamente brasileiras são sinais da mesma
enfermidade.

O País paga caro por essa doença - a incapacidade crônica de dar
prioridade às coisas mais importantes. Esse é o caso da educação. O
Brasil entrou no clube das dez maiores economias. Só manterá essa
conquista se der muito mais atenção a algumas condições fundamentais.
Essas condições só podem ser muito ruins, num país classificado entre
os últimos no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Em
2009, os estudantes brasileiros ficaram em 53.º lugar no exame de
leitura, em 57.º no teste de Matemática e em 53.º na prova de
Ciências. Participaram representantes de 65 países.

Será muito difícil uma classificação melhor, se as crianças
brasileiras forem à escola para se acomodar no padrão do nóis fala
assim memo, defendido pelos gênios da educação nacional. E isso é só
uma parte da história. Crianças bem alfabetizadas, estimuladas a ler,
bem treinadas em Matemática e familiarizadas com as Ciências
provavelmente serão mais propensas a pensar com liberdade, a entender
e a aceitar as diferenças e agir com civilidade e respeito. Essas
qualidades serão realçadas se os alunos puderem aprender muito mais do
que hoje sobre a história e a organização social e política de seu
país - como se aprendia, antigamente, nas escolhas públicas. No
Ministério da Educação, prefere-se gastar tempo e dinheiro com um kit
anti-homofobia rejeitado pela presidente Dilma Rousseff. Não se trata,
segundo ela, de um kit educativo, mas de propaganda de uma orientação
sexual. Mais um erro, portanto, de um Ministério marcado por numerosas
trapalhadas e provas de incompetência.

As falhas vêm de longe e foram estimuladas por oito anos de intensa
demagogia. Cuidou-se de ampliar as portas do chamado ensino superior,
como se a dificuldade de acesso às faculdades fosse o grande problema
educacional. Não era nem podia ser o grande problema. Em 2009, apenas
50,9% dos jovens de 15 a 17 anos estavam matriculados em cursos
compatíveis com sua idade. Essa era a média nacional. No Nordeste,
apenas 39,2% frequentavam as séries adequadas. Mesmo no Sudeste, onde
foram encontradas as melhores proporções, a taxa de escolarização
líquida dos adolescentes daquela faixa era de apenas 60,5%.
Repetência, ingresso tardio e dificuldades para avançar nos primeiros
anos do ensino foram as explicações apontadas na pesquisa do IBGE.
Entre 1999 e 2009, o número de anos de estudo das crianças de 14 anos
pouco aumentou: passou de 5 para apenas 5,8.

No Brasil, só 37,9% dos jovens entre 18 e 24 anos tinham completado
pelo menos 11 anos de estudos. Técnicos da Comissão Europeia tomam
esse nível de escolaridade para avaliar a eficiência educacional de um
país e sua capacidade de combater a pobreza. O Brasil obviamente vai
muito mal nesse quesito, embora tenha havido melhoras em dez anos.
Será necessário um avanço muito maior para se chegar a uma situação
parecida com a de economias mais competitivas. Mas essas economias
provavelmente continuarão progredindo e, portanto, o Brasil terá de
realizar um esforço muito maior. Isso será impossível, se as
prioridades atuais forem mantidas.

A presidente Dilma Rousseff parece haver percebido algumas das maiores
bobagens educacionais. Isso deve explicar seu interesse em investir
mais em formação técnica e, além disso, no treinamento para facilitar
a saída do programa Bolsa-Família. Se essas mudanças ocorrerem, a
demagogia será em parte substituída por políticas eficazes. Mas a
vocação para errar o alvo é bem espalhada entre os Poderes da
República. A revista Veja mostrou a favelização da periferia de Boa
Vista, uma consequência da expulsão, pelo Judiciário, dos fazendeiros
da Reserva Raposa-Serra do Sol. Com eles, foram-se muitos
trabalhadores das fazendas. Não faltam companheiros ilustres ao
ministro da Educação.

JORNALISTA

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