Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 18, 2008

Nova ordem Míriam Leitão



O Globo - 18/11/2008

Bretton Woods levou dois anos de reuniões técnicas preparatórias, três semanas de reuniões e, ao fim, o mundo capitalista decidiu criar uma ordem monetária e cambial que não faria sentido ter agora: câmbio fixo em relação ao dólar e controle cambial. Agora, é uma reunião de emergência para evitar um agravamento da recessão que já tomou a Europa, o Japão e os EUA.

A produção industrial dos EUA de outubro saiu melhor do que o previsto, porque foi retomada a produção na área de mineração, que havia sido suspensa em setembro, na temporada de furacões. Mas há inúmeros dados nos últimos tempos não deixando dúvidas de que a economia americana está parando.

Não se trata, agora, de uma reorganização financeira internacional após uma guerra - o nome "Segunda Bretton Woods" é impróprio -, mas sim o de ações emergenciais para evitar o agravamento da primeira crise verdadeiramente global e, numa segunda etapa, um redesenho da estrutura de poder mundial, para consolidar mudanças que já ocorreram.

Há uma percepção de que a reunião do G-20 fracassou porque não tomou decisões e, sim, fez uma lista de intenções. Alguém realmente achava que se poderia tomar decisão para ação imediata faltando pouco mais de 60 dias para a troca de comando na maior economia do mundo e epicentro da crise? Por ocorrer agora, a reunião teria mesmo que ter um limite nas suas pretensões.

Quando se fala em nova Bretton Woods é mais para lembrar um processo de formação de consenso dos países mais importantes, que ficou marcado na História. Mas os dois momentos não guardam muita relação, e as decisões a serem tomadas também não.

O principal avanço foi enterrar de vez a legitimidade do G-7. Ele voltará a se reunir, mas não terá, como antes, a idéia dos comandantes do mundo tomando as decisões que afetarão a todos. O G-20, por sua vez, é uma contradição ambulante. Gente demais para tomar decisão, interesses conflitantes e alguns países meio fora da ordem. Uma crítica que o grupo enfrentou logo de cara foi deixar a Espanha de fora e incluir a Argentina. A primeira, com um sistema financeiro moderno e sofisticado; a segunda vivendo um intervalo entre duas moratórias, porque ninguém duvida que é isso que o casal Kirchner acabará colhendo com suas medidas destemperadas, como a estatização da previdência privada para cobrir o rombo do governo. Mas o fato de que os países ricos reconheçam que sem Índia, China, Brasil, Coréia, Austrália e outros países médios importantes é impossível ter uma conversa séria sobre reorganização financeira mundial é um avanço. Também é um avanço que se reconheça que um FMI, em que Holanda e Bélgica têm mais poder que o Brasil, não faz sentido algum.

Em alguns dos pontos de acordo da reunião, há que se duvidar da sinceridade. Os chefes de Estado concordaram em não tomar medidas protecionistas por 12 meses. Bush só podia se comprometer por dois. Os outros dez ficarão por conta de Obama, que durante a campanha defendeu algumas propostas protecionistas, na linha do "Made in America". O Brasil já está querendo proteção contra uma invasão chinesa. A Europa mantém suas velhas barreiras protecionistas. Bush, que se definiu como uma "pessoa do livre comércio", é o mesmo em cujo governo foram mantidas as sobretaxas ao etanol brasileiro e aprovadas leis agrícolas que elevaram, em vez de diminuir, os subsídios agrícolas. Uma das lições de 1929 foi que o protecionismo agravou a recessão. Então, os chefes de Estado dos maiores países do mundo estão dizendo que, teoricamente, sabem que isso pode agravar a situação, mas não há qualquer garantia de que isso seja seguido, mesmo pelos países que continuarão tendo o mesmo chefe de Estado nos próximos 12 meses.

Outro dilema a ser enfrentado pelos países, independentemente do que decidam os EUA na Era Obama, é que, se o controle sobre os bancos e as operações bancárias forem fortes demais, isso pode restringir o crédito e impedir a recuperação; mas se forem lenientes, como nos últimos tempos, estarão dizendo ao mundo que as autoridades monetárias dos países não são capazes de controlar seus mercados. Há inúmeros casos de absurdos revelados na esteira da atual crise.

Para o Brasil, o momento é de oportunidades, de estar entre os maiores do mundo; mas de riscos também. Chegar numa reunião dessas e dar a declaração de que "os países ricos devem resolver seus problemas financeiros" é uma forma de negar, na prática, o discurso de que é preciso dividir o poder mundial. O Brasil precisa abandonar o velho discurso Norte-Sul e atualizar sua atitude em reuniões internacionais.

Outro risco é o da tradução literal do que é feito lá. O Brasil não está em recessão, não precisa de medidas emergenciais anti-recessão. Lá, a indústria automobilística despencou e há divergências sobre a ajuda às montadoras; aqui, elas tiveram um mês de queda nas vendas, que estavam superaquecidas. Lá, a inflação está caindo, os juros já estão negativos em alguns casos e eles estão ficando sem o instrumento de política monetária. Aqui, a inflação está perto do teto da meta, há pressões inflacionárias. Os pacientes estão com sintomas diferentes e devem ter remédios diferentes.

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