O instituto da reeleição está, desde a última quarta-feira, devidamente instalado no telhado. Chegou até lá levado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado que aprovou uma emenda do senador Jarbas Vasconcelos, obrigando os governantes candidatos a um novo mandato a deixarem os respectivos cargos seis meses antes da eleição.
Pela regra atual, quem concorre ao mesmo posto não precisa tirar licença, ao contrário do exigido aos candidatos a cargos diferentes. Em 2006, por exemplo: enquanto o presidente Luiz Inácio da Silva pôde permanecer na Presidência, seu oponente, o então governador Geraldo Alckmin, precisou se afastar do governo de São Paulo.
Em tese é só uma proposta para corrigir uma suposta deformação involuntária da emenda original, na realidade um subterfúgio para facilitar a adesão de prefeitos e governadores à mudança constitucional proposta pelo PSDB em 1996, com a finalidade de permitir a reeleição de Fernando Henrique Cardoso dois anos depois.
Na prática trata-se do lançamento da pedra fundamental da execução do acordo tácito firmado entre setores majoritários do PT, PSDB e PMDB para pôr um fim na reeleição para os presidentes da República durante o próximo ano, de forma a que a sucessão de Lula se dê sob a nova regra: o eleito em 2014 teria um mandato de cinco anos sem direito a renovação.
O ideal, na cabeça do grande patrono da proposta - o governador de São Paulo, José Serra - seria acabar com a reeleição em todos os níveis.
Mas, como haverá resistências por parte de prefeitos e governadores - amplamente beneficiados pela chance de disputar um segundo mandato subseqüente -, os arquitetos do projeto ficarão satisfeitos se conseguirem acabar com a reeleição para presidente, a fim de imprimir mais velocidade à fila de pretendentes ao Planalto.
E o que tem a ver os seis meses de licença aprovados na quarta-feira com o fim da reeleição se, em princípio, parece até um gesto de aperfeiçoamento da regra em vigor?
Tudo. É a forma de começar a pôr o assunto em pauta sem alarde, sem ferir suscetibilidades, sem criar atritos, amaciando o terreno, conquistando adeptos para o debate.
A discussão é difícil e requer muita habilidade, embora os partidos envolvidos sejam os mais fortes e influentes do cenário político. O problema é que não há consenso interno em nenhum deles.
O mais unido em torno da proposta é exatamente o PSDB, o inventor da obra ora em demolição. A única liderança importante do partido a falar contra o fim da reeleição é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Seus correligionários afirmam, no entanto, que FH só defende essa posição em público por puro constrangimento de entrar em cena como fiador de dois casuísmos: um em 1996 e outro 12 anos depois.
No PT, Lula é favorável, mas a turma mais aguerrida não vê com agrado acertos que atendam às expectativas do PSDB. Algo na base do "o que é bom para os tucanos é ruim para o PT".
No PMDB a idéia tem o apoio da maioria, a começar do presidente Michel Temer, mas conta com um adversário de peso: o governador do Rio, Sérgio Cabral, que, se não mudou de opinião, acha a proposta um enorme equívoco.
Há seis meses, quando Temer defendeu a volta do mandato único, Cabral avisou que, mesmo isolado, ficará contra. "Mexer na reeleição é arranhar a imagem do Brasil como um país de regras consolidadas, onde não se faz e acontece ao sabor das conveniências. Isso vale para a economia e vale também para a política."
Pensando bem
A pressão do PMDB e a resistência do PT em abrir mão da presidência do Senado na próxima legislatura não impõem um obstáculo intransponível entre os dois maiores parceiros da base governista.
Não é nenhum absurdo pensar que o governo acabe por interceder em favor da entrega do comando do Congresso ao PMDB, em troca do apoio ao candidato da situação à Presidência da República. A oposição, nessa hipótese, não terá como fazer concorrência ao Palácio do Planalto no leilão das boas ofertas.
Dois pássaros da envergadura das presidências da Câmara e do Senado bem seguros na mão dificilmente alguém troca pelo difuso direito de apreciar uma revoada no céu. Por mais que os oposicionistas representem melhores perspectivas eleitorais, por ora os pemedebistas se atêm objetivamente ao presente.
Aqui e agora
O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, costumava recorrer a uma metáfora para responder às cobranças sobre as mudanças de posição do PMDB.
"Quando alguém bate na porta, ou chama ao telefone, você pergunta quem é ou quem foi?"
Isso ele dizia na época da aliança com o PSDB. Hoje, em pleno tempo de união ao PT, é possível que o ministro atribua àquela figuração um sentido muito relativo.
Entrevista:O Estado inteligente
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