Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 09, 2008

Augusto Nunes-SETE DIAS



Os cartolas odeiam vencedores

Para conquistar a medalha de ouro numa Olimpíada é preciso vencer os melhores atletas do mundo, certo? Em países sérios, sim. No Brasil, antes da final que reúne a elite da modalidade, é preciso primeiro enfrentar o Brasil. Só sobe ao alto do pódio quem derrota a inexistência de algo que lembre uma política esportiva, a miopia dos patrocinadores, a cegueira dos clubes, a indiferença dos habitantes do país do futebol, as safadezas dos cartolas, a cupidez do Comitê Olímpico, a assombrosa performance do Ministério do Esporte ­ fora o resto. Que os brazucas que conseguem chegar lá triunfam apesar do berço, disso muitos sabiam faz tempo. O que só se soube no fim de setembro, graças a um corajoso depoimento do nadador César Cielo, é que a turma que nunca ajudou agora se especializou em atrapalhar. "O Brasil tem de ouvir essas verdades", sublinhou o garotão de Santa Bárbara D'Oeste que, para voltar de Pequim com a medalha de ouro nos 50 metros nado livre e a medalha de bronze nos 100, teve de abrir a foice trilhas e picadas na selva da cartolagem. "Sério que você está perguntando isso? Pensei que fosse brincadeira", espantou-se quando o repórter quis saber que tipo de apoio recebera da CBDA, sigla que identifica a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos. "Desportos", assim mesmo. Uma antiguidade que rima com o estilo, o desempenho, os métodos e a cabeça de Coaracy Nunes, donatário da capitania. Para Cielo, foi bem mais fácil derrotar os outros finalistas, entre eles o recordista mundial da modalidade, que contornar as tocaias forjadas pelo cartola aquático, com a cumplicidade de Carlos Nuzman, presidente do COB, e Orlando Silva, ministro do Esporte. "Da CBA, até agora só recebi parabéns", contou na entrevista. "Estou como estava antes da Olimpíada". No Brasil, segundo o jovem campeão, "a gente tem que chorar até por um maiô". A saga do jovem campeão, em sua essência, da vivida por outros atletas extraordinários ­ por exemplo, a admirável Maurren Maggi, conquistadora da medalha de ouro no salto em distância. Mas só Cielo resolveu contar o caso como o caso foi. Por enquanto. Nenhum dirigente estendeu o braço à valente Maurren no longo tempo em que, condenada pelo uso de substâncias proibidas, ficou longe das pistas. Ela prefere tratar do presente, infinitamente mais agradável que os meses em que pôde conhecer de perto a turma que promete fazer do Brasil uma potência olímpica. E decerto viveu episódios tão espantosos como os revelados por César Cielo. Há dois anos, quando resolveu treinar nos EUA, a CBDA cortou a ajuda. "Tudo foi bancado pelo
paitrocínioaté o Pan", lembra.
O patrocínio devolvido nos Jogos do Rio foi de novo confiscado três meses antes da viagem à China, quando Cielo preferiu continuar treinando a participar do beija-mão organizado por Coaracy em homenagem ao presidente Lula. Como resistiu aos telefonemas de Coaracy, o pai pagou a conta até a conquista da medalha de ouro. Dos muitos milhões obtidos pelo COB e siglas afiliadas, alguns trocados chegaram ao grupo de atletas. O Brasil faz questão de saber que fim levaram. O enigma merece mais artigos.

O prefeito estará
com quem ganhar
O presidente Lula vive ju- rando, apoiado em números do Orçamento da União, que jamais discriminou cidades administradas por oposicionistas. Dirigentes do PT atribuem a esse tratamento igualitário dispensado aos prefeitos o número recorde de reeleitos. É compreensível que durante a campanha, à caça do voto dos crédulos, Eduardo Paes tenha repetido que o Rio só terá salvação se o prefeito for parceiro do presidente da República. Mas por que anda insistindo na falácia depois de eleito? Simples: se o candidato apoiado por Lula for derrotado em 2010, o prefeito vai aderir ao vitorioso no minuto seguinte. Sempre em nome dos superiores interesses do Rio.
Os vilões querem
prender os xerifes

O salário-teto do funcionalismo público é de R$ 24.500. O futuro procurador-geral do Piauí, Augusto Cézar Andrade, embolsou mais de R$ 61 mil em agosto, R$ 39.610,45 em setembro e pagou, a cada mês, só R$ 1.928,00 ao Fisco. A corregedora-geral Teresinha Marques, o promotor Francisco Lima e a servidora Osmarina Carvalho denunciaram a irregularidade. Emir Martins, dono do cargo que Andrade vai herdar, ficou muito bravo. Não com o marajá, mas com os que revelaram a mesada suspeitíssima. Os três defensores da lei são alvos de uma investigação interna que Martins quer transformar em ação penal. Podem acabar perdendo o emprego. Andrade vai continuar gastando por conta.

O STF e a OAB em campanha: impunidade para todos
Daniel Dantas sabe das coisas, confirmou na quinta-feira a sessão do STF que acabou transformada, simultaneamente, em manifestação de solidariedade ao presidente Gilmar Mendes, manifestação de protesto contra os mocinhos e manifestação de desagravo aos bandidos. Poucas semanas depois de desencadeada a Operação Satiagraha, o STF presenteou Daniel Dantas com a ratificação do direito de delinqüir em liberdade, louvou o sacador de habeas corpus mais ligeiro do Brasil central (em dois dias, atirou duas vezes na primeira instância) e, em clima de comício, mirou na testa do juiz Fausto de Sanctis e no coração do delegado Protógenes Queiroz, cuja casa foi vasculhada na quarta-feira pela Polícia Federal. Nenhuma dúvida: Daniel Dantas sabe das coisas. Tanto sabe que, na conversa em que ofereceu suborno a um delegado engajado na operação, o emissário do chefe da quadrilha informou que só os juízes da primeira instância preocupavam o comandante. Com o STF, por exemplo, o primeiro escroque internacional fabricado no Brasil saberia entender-se. É isso aí, mostrou a mais recente vitória da gatunagem chique. O Supremo, contudo, já não pode ser acusado de esquecer a bandidagem que não sabe usar os talheres certos. No dia 30 de outubro, por 9 votos a 1, o time da toga declarou inconstitucional a realização de interrogatórios por videoconferência. Em vigor nos países menos primitivos, a lei que autoriza esse método, recomendável sobretudo a bandidaços, vigorava em São Paulo. Foi abolida.
Em juridiquês castiço, os doutores ensinaram que o método, aplicado nas paragens civilizadas para tornar a Justiça menos lenta e mais eficaz, "fere o direito de ampla defesa". Até assassinos psicopatas precisam olhar nos olhos o juiz, o promotor ou a testemunha. "O preso não pode ser sujeito a tratamento desumano", concordou a cúpula da OAB. Preocupado com a vida sofrida dos prisioneiros, o clube dos bacharéis usou a mesma frase para justificar a maluquice de outubro: acabar com o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), aplicado a criminosos de altíssima voltagem. É uma antiga reivindicação do PCC. Ser bandido no Brasil está cada vez melhor. O que vai ficando perigoso é agir honestamente. Pode até dar cadeia.
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