Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 19, 2006

Repulsa unânime


Editorial
O Estado de S. Paulo
19/12/2006

Tenha ou não resultado a iniciativa dos deputados Carlos Sampaio (PSDB-SP) e Fernando Gabeira (PV-RJ), de ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) com um mandado de segurança contra a decisão conjunta das cúpulas da Câmara dos Deputados e do Senado, que quase dobrou a remuneração dos parlamentares federais - contestando a forma do aumento, que não passou pela votação de plenário -, vingue ou não o projeto de decreto legislativo a ser apresentado por outros deputados - com redação do deputado Walter Pinheiro (PTBA) - visando a anular o reajuste de 90,7% dos ganhos dos congressistas, uma coisa é certa: esse aumento indecente conseguiu a proeza de obter uma unanimidade de repulsa nos mais diversos segmentos da sociedade brasileira, ensejando uma das mais uníssonas manifestações de condenação que já se viu neste país.
Não era para menos. Nada, absolutamente nada justifica um reajuste de remuneração de 90,7% correspondente a um período em que a inflação foi de 28,4%. A disparidade entre esse reajuste e o que houve em relação aos salários de quaisquer categorias profissionais do Brasil - pertençam elas ao setor público ou à iniciativa privada - já basta para causar uma revolta geral, pela distância tão grande de tratamento entre cidadãos que trabalham (mesmo que para alguns o trabalho efetivo seja mera presunção). Se levarmos em conta, então, a discussão em torno do reajuste do salário mínimo e da pensão dos aposentados - onde a diferença de poucos reais exige esforço grande de negociação -, esse reajuste parlamentar é um verdadeiro acinte aos brasileiros.
Os congressistas caboclos se utilizaram do poder de fixar os próprios ganhos para eleválos, somados aos privilégios exclusivos - como os 15 salários, auxílio-moradia, passagens aéreas, verbas indenizatórias, franquias de correio e outras mordomias -, a valores muito acima até do que recebem os parlamentares das democracias mais ricas do mundo, como, por exemplo, a norte-americana. Embora estivessem ple


Sociedade condena em peso o aumento salarial dos parlamentares


namente conscientes do efeito cascata - ou catadupa - desse aumento nas Assembléias Legislativas dos Estados e nas Câmaras de Vereadores dos municípios pelo Brasil afora, além das pressões generalizadas de aumento de servidores públicos de todos os níveis e esferas da administração, no momento em que o governo, já sufocado por gastos de custeio, está com reduzidíssima capacidade de investimento em setores essenciais - como educação, infra-estrutura, saúde, segurança -, nossos ilustres congressistas se permitem ignorar tudo isso sob a justificativa da equiparação "constitucional" de sua remuneração com a dos ministros do STF, como se fosse direito indiscutível deles ganhar pelo "teto" daqueles 11 magistrados (presumidamente os de maiores responsabilidades no País).
Também parece ser irrelevante, para nossos congressistas, o fato de 25% deles já estarem, a partir de 1º de fevereiro, acumulando pagamentos do setor público acima do teto do STF - pelo que o Ministério Público Federal, com respaldo do Tribunal de Contas da União e do Conselho Nacional de Justiça, pretende argüir a inconstitucionalidade desse "teto dúplex". Assim, desconsiderando quaisquer argumentos - emitidos pelos setores mais representativos da sociedade - contrários a seu abusivo e extemporâneo aumento de ganhos, nossos congressistas deixam de ser os representantes de seus eleitores para se tornarem, apenas, os defensores de seus mesquinhos interesses próprios.
Ainda bem que esta, que já se considera uma das piores legislaturas da história política do País, está prestes a encerrar-se. O ideal seria que pudesse se renovar substancialmente - a começar por suas cúpulas - para que voltasse a merecer, da população brasileira, um mínimo de respeito. Se isso não for possível, que pelo menos reflitam, nossos congressistas, sobre a importância que teria sua reciclagem ética, na preservação dos valores da Democracia, entre os quais é fundamental o acatamento popular que tenham as Casas Legislativas, pois só a sobrevivência destas impede a irrupção das ditaduras populistas, diretas, "sem intermediação".

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