Catálogo completo da obra do pintor holandês
nega autoria a tela do Museu de Belas Artes
Lucila Soares
Divulgação |
Paisagem Rural: autor pode ser contemporâneo de Post ou falsário do século XIX |
De tempos em tempos o mundo das artes plásticas é abalado pela notícia de que uma respeitável instituição comprou gato por lebre. Acontece nos melhores museus. O Louvre, em Paris, já viu dois quadros de Leonardo da Vinci perder o atestado de autenticidade e ser atribuídos a discípulos seus. No Museu de Arte de São Paulo, o Masp, a polêmica se deu em 1987, em torno do Auto-Retrato com Barba Nascente, erroneamente atribuído ao holandês Rembrandt van Rijn. Desta vez, o endereço da polêmica é o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e o gato é a tela Paisagem Rural, de Frans Post (1612-1680). A tela é atribuída a Post nos dois catálogos anteriores sobre sua obra (o de Erik Larsen e o de Joaquim de Sousa-Leão). A conclusão de que o quadro não é do pintor holandês está em Frans Post, Obra Completa (Editora Capivara, 416 páginas; 180 reais), que será lançado na segunda-feira.
A publicação é um catálogo raisonné – ou seja, uma fonte de referência que lista cronologicamente e descreve em detalhes todos os 150 trabalhos atribuídos a Post, confirmando ou não a autoria de cada um. Os organizadores do livro, os pesquisadores Pedro e Bia Corrêa do Lago, trabalharam com um comitê de especialistas de renome internacional em arte holandesa do século XVII. A comissão foi formada por Frederik J. Duparc, diretor da Casa de Maurício de Nassau, George Gordon, diretor do Departamento de Mestres Antigos da Sotheby's de Londres, George Wachter, diretor do mesmo departamento da Sotheby's de Nova York, e Léon Krempel, curador do Museu de Arte, em Munique. A Paisagem Rural do MNBA (que tem outras oito telas autênticas e de excelente qualidade) está entre as quarenta obras de autoria recusada. "Apesar da temática compatível, o traço é mais leve, as figuras totalmente diferentes, e as grossas palmeiras inclinadas no plano central não trazem nenhuma relação com o estilo de Post", concluiu a comissão, cujos integrantes acreditam que a tela pode ter como autor um discípulo do artista, mas não excluem a possibilidade de ela ser uma falsificação do fim do século XIX ou início do século XX.
O catálogo chega em boa hora. A obra de Frans Post foi fortemente valorizada a partir dos anos 1990, quando os especialistas começaram a reconhecer que seu trabalho tem grande qualidade artística, além do conhecido valor como retrato do Brasil do início do século XVII. Em 1997, a tela A Cidade e o Castelo de Frederik na Parayba foi vendida aos colecionadores venezuelanos Gustavo e Patricia Cisneros por 4,5 milhões de dólares. Hoje, o valor de mercado de um quadro da melhor fase do artista não custaria menos que 10 milhões de dólares. Post foi o primeiro artista plástico a registrar a paisagem do Novo Mundo. Fez isso por encomenda de Maurício de Nassau, ao longo dos sete anos em que permaneceu no Brasil, entre 1637 e 1644. Foram dezoito quadros a óleo (dos quais só restam onze), que formam um conjunto precioso de informações sobre a natureza, a gente e os costumes do Nordeste do país, então transformado em sede da Companhia das Índias Ocidentais. Esse contexto histórico o excluiu injustamente da primeira linha da arte holandesa do século XVII. Sua redescoberta é um prato cheio para falsificadores. Os autores do catálogo confirmaram a existência de uma indústria de Posts fajutos, com sede na Suíça. O catálogo, além de ser um guia completo para explorar a riqueza da obra do pintor, é um antídoto contra os espertalhões do mercado de artes plásticas.