Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Míriam Leitão - Sem projeto



Panorama Econômico
O Globo
20/12/2006

Não é surpreendente que o presidente Lula esteja com alta popularidade e boa avaliação do governo. Ele acabou de vencer uma eleição, está no período de lua-de-mel, agora renovada, e vem de uma ampla exposição dos seus feitos, verdadeiros ou não, pela publicidade de campanha. Surpreendente é que, com a experiência de um mandato, ele esteja correndo o risco de perder o melhor momento.

Nos bastidores do debate do segundo turno, ouvi de assessores diretos do presidente que ele não esperaria a troca de governo para começar o segundo mandato. Que sua intenção era indicar os novos ministros, fazer todo o difícil trabalho de construção de um gabinete de coalizão ainda no atual mandato, para virar o ano com o governo de cara nova.

Ele não fez isso. Tudo o que aconteceu até agora é que alguns têm dito que não ficarão, e outros vão sendo fritados e enfraquecidos.

Outra decisão equivocada do presidente foi deixar a formação do governo para depois da eleição na Câmara dos Deputados. Assim, ele inclui como parte da formação do Executivo uma decisão que será tomada em outro poder. Além disso, alonga um período de disputas internas na coalizão, o que só aumenta o enfraquecimento do governo.

Era para antecipar o começo do segundo mandato, e ele está prolongando o primeiro - e gasto - mandato.

Outro erro é criar uma expectativa exagerada em relação a um pacote de medidas que teriam a função de garantir o crescimento de 5%. Não há um pacote que, cosido lá na burocracia, afaste todos os entraves ao crescimento.

O pacote lembra tempos velhos em que sempre acontecia, na semana do Natal, ou pior, na semana entre o Natal e o Ano-Novo, algum pacote cheio de invenções econômicas e de truques tributários para o governo arrecadar mais, tirando mais do contribuinte.

Esse defeito, aparentemente, o pacote não tem, mas não há nada, de tudo o que foi discutido e comentado, que seja suficiente para mudar o quadro de estagnação em que o país está.

O pacote será a soma de incentivos para setores específicos que podem puxar um crescimento maior, com alguns sinais de controle de gastos no futuro.

Esses incentivos, mesmo sendo desejados e até necessários, são renúncia fiscal, menos arrecadação. E os sinais de mudança, por exemplo, no auxílio-doença e no auxílio-morte, não têm efeito imediato. Seus resultados são apenas no futuro.

Há muita coisa a mudar na Previdência, e acertos aqui e ali sempre são bem-vindos, mas o fato é que o INSS significa um déficit anual de R$45 bilhões e, para que não seja cada vez mais explosivo, precisa de várias mudanças.

Tudo o que os integrantes do governo dizem quando vão falar de alguma medida antipática é: "A sociedade precisa discutir isso." Nas democracias, a sociedade sempre tem formas de falar e expressar as opiniões, mas o governo tem que ter a coragem de propor e tentar convencer de que sua proposta é boa.

O que se vê é que o governo já está improvisando: apesar de ter tido sempre a idéia de se candidatar a um novo período, o presidente Lula admitiu que não sabia o que fazer exatamente.

A essa altura, e entrando no seu quinto ano de governo, o presidente e seus assessores já deveriam ter idéias amadurecidas sobre o que fazer em várias áreas.

Como dizem os especialistas em opinião pública, pesquisa de popularidade é fotografia. Ela muda com o tempo. E este é o melhor ângulo do governo, aquele que aparece logo após a forte publicidade que uma campanha eleitoral permite. O mais desafiador é manter a avaliação boa com decisões acertadas e boa administração. Isso só os próximos meses dirão.

A vantagem do presidente Lula é que agora há menos expectativas em relação ao governo que na primeira eleição.

E isso pelo motivo óbvio: um segundo mandato é muito mais o recado de que o eleitor não viu razão para trocar de governo que a esperança de mudanças radicais redentoras.

Esse apoio amadurecido poderia ser bem utilizado pelo governo para criar condições de confiança na economia e no país. Para isso, o ideal seria que, a esta altura, o presidente já soubesse com que equipe governará no mandato que começa daqui a dez dias. Já fosse capaz de dizer onde errou no primeiro mandato e o que pretende mudar no segundo para ter um resultado melhor, e também que novas idéias quer pôr em prática.

Mas tudo o que há são rumores sobre uma ou outra mudança no Ministério, e um pacote sendo preparado com gosto de idéias velhas.

A redução do gasto com auxílio-doença é necessária, mas ainda não se sabe se é factível. Esse item de gasto saiu de R$3,6 bilhões no último ano do governo passado para mais de R$13 bilhões este ano. Ninguém sabe exatamente o que aconteceu para um aumento tão grande de trabalhadores com doenças recebendo do INSS. O governo Lula considerou que a alta era culpa da terceirização da perícia médica no governo Fernando Henrique. Por isso, fez concurso e contratou mais de três mil médicos para fazer a perícia. Isso teria como resultado uma queda do gasto com benefício, mas até hoje não caiu. Aumenta a cada ano.

Rever as regras para pensão por morte pode ser útil, mas nada que resolva o nosso problema, nem que garanta uma arrancada.

Estão faltando idéias em Brasília; está faltando um projeto já desenhado e estudado para a ação governamental. Resultado de uma campanha com tão poucas idéias e projetos; tanto da oposição, quanto do governo.

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