Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 02, 2006

Miriam Leitão Voz das Américas

Amanhã, na Venezuela, acaba uma seqüência de mais de uma dezena de eleições seguidas na América Latina nos últimos doze meses. A onda trouxe novos líderes e alguns velhos discursos de volta à região. O personagem que mais apareceu — para ajudar ou prejudicar — foi Hugo Chávez. O Brasil, de Lula, apoiou novos líderes e participou da campanha de Chávez, mas foi o país que mais perdeu.

Nem todos os eleitos são iguais. Alguns estudiosos da América Latina costumam separar entre a esquerda light e outra que levanta bandeiras e discursos obsoletos. Na primeira, estariam Michelle Bachelet, do Chile, Tabaré Vázquez, do Uruguai, e Lula. No núcleo mais espetaculoso, Evo Morales, na Bolívia, e Hugo Chávez. Néstor Kirchner, que irá às urnas em 2007, é relacionado com esse grupo também.

O presidente da Venezuela se intrometeu em todas as eleições. Nem sempre levou a melhor. No Peru, seu apoio ajudou a derrotar Ollanta Humala. Foi eleito Alan García.

A Colômbia reelegeu o direitista Álvaro Uribe. O México, o também direitista Felipe Calderón, que ontem tomou posse em meio a protestos liderados pelo candidato derrotado López Obrador. A Nicarágua trouxe de volta o velho conhecido Daniel Ortega. No Brasil, Lula fingiu distanciamento do compañero Chávez durante a eleição aqui, mas depois foi lá para, entre fanfarras e uso da máquina pública, atacar as elites e a imprensa, com muita retórica e pouco compromisso com os fatos.

Hugo Chávez, que encerra a temporada, vai se reeleger, mas com menos votos que imaginava. O voto na Venezuela não é obrigatório, e a participação vem caindo ao longo dos anos. Tudo indica que o candidato da oposição, que desta vez se uniu, Manuel Rosales, será derrotado. Chávez ficará por mais seis anos (já está há oito), mas seu projeto é de reeleições sucessivas. O petróleo alto o ajudou. Ele usou divisas crescentes para retomar o crescimento, depois da recessão forte de 2002 e 2003, e diminuir o número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza.

Mas o emprego informal hoje está na faixa dos 45%; a inflação em 13%, apesar do controle de preços, e o déficit aumentou.

As eleições nos Estados Unidos deram a vitória aos democratas no Congresso.

Isso sempre significou mais protecionismo, inclusive em relação aos países latinoamericanos, mas o cientista político Octavio Amorim Neto, da FGV, acha que pode ser indicativo de mais que isso: — O que pode haver é uma negligência benigna dos Estados Unidos. Não é ruim que eles não estejam tão próximos. A história mostra que todas as vezes em que os Estados Unidos intervêm é muito ruim para os países latino-americanos.

Muitas vezes, eles agem de forma equivocada, como no golpe contra Hugo Chávez, em 2002, que apoiaram — acredita Octavio Amorim.

O que significam todas essas eleições no continente? Marcelo Coutinho, cientista político do Observatório Sul-Americano do Iuperj, acha que para entender o que se passa na região é preciso deixar de lado velhos conceitos, como o de populismo.

— As eleições consolidaram um quadro de heterogeneidade política, diferente da homogeneidade liberal da década de 90. No Chile, houve um fato interessante: pela primeira vez, o Partido Socialista é majoritário na Concertación, que governa o país desde o fim da ditadura e, pela primeira vez, a Concertación é majoritária no Congresso. Isso está fazendo com que a esquerda traga de volta uma pauta mais social — diz Coutinho.

Norman Gall, do Instituto Fernand Braudel, especialista em América Latina e que já morou na Venezuela, faz péssima avaliação de Hugo Chávez, mas faz um balanço positivo dos últimos acontecimentos políticos na região.

— Com algumas exceções, a América Latina votou maciçamente pela estabilidade democrática e econômica. Há um grande progresso na região que não está incorporado ao discurso dos políticos que se pode ver nas regiões de periferia tanto de São Paulo, quanto de El Alto, na Bolívia.

O presidente recém-eleito do Equador, Rafael Correa, é ainda uma incógnita na visão de Gall. Coutinho diz que ele quer dar o calote na dívida, como Kirchner; fazer um plebiscito, como recomenda Chávez; atacar as empresas estrangeiras, como Morales, e tem elogiado as políticas sociais de Lula. Um artigo do “Financial Times” chama a atenção para a dificuldade que o novo presidente equatoriano enfrentará por estar “em posição mais fraca que seus outros três antecessores”.

Detalhe: os três não conseguiram completar seus mandatos. O partido de Correa é apenas o terceiro em cadeiras no Legislativo.

Para além de todos estes movimentos, Octavio Amorim Neto considera que há um ponto que merece atenção nos novos caminhos da América Latina: o que acontecerá na transição de Cuba, quando Fidel Castro sair do poder.

O Brasil ficou numa posição esquisita. A liderança de Lula esteve tão esmaecida, que o presidente brasileiro pareceu, algumas vezes, mais um liderado de Hugo Chávez. A torcida por alguns candidatos quebrou uma velha e boa máxima da diplomacia brasileira de não intervenção em assuntos internos dos vizinhos, mas foi o Brasil que mais sofreu os efeitos ruins da retórica esquerdóide de alguns compañeros de Lula. A Petrobras teve que aceitar um contrato prejudicial aos seus interesses na Venezuela; foi invadida, expropriada e assinou um acordo cujos termos permanecem secretos na Bolívia; e pode vir a enfrentar o mesmo problema no Equador. Com os Estados Unidos cada vez mais distantes, exceto da Colômbia, o Brasil cabe no papel de “gringo”, e com uma vantagem: não reclama seus interesses ofendidos.

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