A alta fragmentação partidária verificada no Brasil, que as cláusulas de barreira pretendiam limitar, faz com que os chefes do Executivo usem as nomeações ministeriais para construir a sua base de apoio no Poder Legislativo. Um estudo do cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, mostra que é muito pouco freqüente a existência de um partido presidencial majoritário nas duas Casas do Congresso. Trata-se da chamada “dimensão partidária da formação ministerial”, na definição de outro cientista político, Sérgio Abranches.
O professor de História Contemporânea da UFRJ, Francisco Carlos Teixeira, diante da formação do futuro segundo governo Lula, teme que confundindo coalizão, que pressupõe um programa comum, com coligações partidárias que muitas vezes nem atuaram juntas na campanha eleitoral, o presidente acabe promovendo “uma colisão” entre os interesses variados desses partidos.
O estudo de Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas, mostra que, considerandose todos os ministérios formados desde a posse de José Sarney em março de 1985, até o final do primeiro mandato de Lula , “são sempre arranjos multipartidários com maior ou menor grau de fragmentação e heterogeneidade ideológica”.
O ministério de Itamar Franco, juntamente com o segundo ministério do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso e o primeiro ministério do seu segundo mandato “foram os mais heterogêneos do ponto de vista ideológico, uma vez que partidos de todas as tendências ideológicas estão representados no primeiro escalão do Executivo”. Os ministérios mais coesos ideologicamente, segundo Amorim Neto, foram o segundo e o terceiro de Collor, que só incluíram partidos de direita.
Um aspecto importante dos ministérios é o que diz respeito ao apoio parlamentar que conseguem angariar para o Executivo, o chamado “tamanho legislativo do governo”.
Segundo o estudo, o primeiro ministério nomeado por Sarney dava a ele um suporte nominal de 93,5% na Câmara dos Deputados. “Já o segundo e terceiro ministérios de Collor não lograram dar ao governo nem 30% de apoio naquela Casa Legislativa”, ressalta Amorim Neto.
Outro aspecto relevante da formação ministerial analisado no estudo é a chamada “taxa de coalescência” ( aderência), isto é, o grau de proporcionalidade agregada entre a percentagem de ministérios detida por cada partido, e a sua contribuição, em cadeiras parlamentares, para a base legislativa do governo, medida que revela “o quão bem-cimentado politicamente é o ministério”.
Sob essa ótica, ainda que o primeiro ministério de Collor, os três últimos de Itamar Franco, e os cinco últimos de Lula fossem nominalmente majoritários, de fato, eram governos minoritários, revela o estudo. Sob Lula, o PT concentrou excessivamente poder ministerial, em detrimento dos seus parceiros de coalizão: o PT ficou com 18 das 30 pastas ministeriais do primeiro ministério de Lula, isto é, 60,0%.
Porém, calculando a proporcionalidade entre as pastas ministeriais conferidas a cada partido e a sua percentagem de cadeiras na base de sustentação parlamentar de Lula, Octavio Amorim Neto chegou à conclusão de que o primeiro ministério de Lula é um dos que obtêm um dos valores mais altos (0,64) entre os 19 ministérios formados desde 1985, mais alto do que o dos dois ministérios do primeiro mandato de FHC.
Porém, o segundo ministério de Lula, aquele sob o qual se deu o escândalo do mensalão, exibe uma proporcionalidade baixa (0,51), ressalta o estudo.
Para demonstrar que governos efetivamente majoritários controlam ou “cartelizam” a agenda legislativa, isto é, os partidos que os integram são raramente derrotados em votações de plenário que digam respeito a procedimentos, ao estabelecimento da pauta legislativa e ao conteúdo final dos projetos de lei, Octavio Amorim Neto adaptou, com o auxílio de dois especialistas americanos, Cox e McCubbins, método de medição já utilizado pelos dois no Congresso Americano. Foi criada uma “taxa de atropelamento” (“roll rate” em inglês), que deve ser bem baixa, em geral, menor do que 5%, nas coalizões efetivas.
Segundo o levantamento, nos ministérios formados no Brasil, entre 1989 e 1998, apenas durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-98), registraramse taxas de atropelamento dos partidos que detinham cargos ministeriais compatíveis com a existência de um cartel legislativo.
Novos estudos indicam que continuou a haver um cartel sob o segundo mandato de FHC, e também no primeiro ministério de Lula.
Porém, ressalta Amorim Neto, inexiste um cartel sob o segundo ministério de Lula, “o que é bastante revelador da fragilidade parlamentar do governo entre janeiro de 2004 e julho de 2005”. Outra maneira de avaliar se um governo de coalizão majoritário é sólido é o Índice de Iniciativas Legislativas Ordinárias (ILO), que Amorim, Mc Cubbins e Cox criaram para saber se a utilização dos instrumentos ordinários de legislação (projetos de leis ordinária e complementar e emendas constitucionais) prevalece sobre os extraordinários (medidas provisórias) na implementação do programa de governo.
O índice varia de zero a 1, e quanto mais próximo o seu valor estiver de 1, mais o Executivo se vale de iniciativas legislativas ordinárias. A aplicação desse índice revelou que, entre 1990 e 1998, foram justamente os dois gabinetes formados na primeira presidência de FHC os que conseguiram valores mais altos. No que toca aos dois ministérios de Lula, a tabela indica que o Executivo sempre se valeu mais de instrumentos extraordinários do que ordinários para implementar a sua agenda, o que demonstra a fragilidade de sua coalizão.
Entrevista:O Estado inteligente
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