A indignação que tomou conta da sociedade depois que o Congresso resolveu se conceder um aumento de 90,7%, no mesmo momento em que o reajuste do salário mínimo de 8% surge como excessivo diante das dificuldades orçamentárias do governo, mostra bem a situação de completo desequilíbrio que vive o país. Essa relação entre o subsídio dos parlamentares e o salário mínimo não tem o menor cabimento do ponto de vista macroeconômico, mas faz todo sentido do ponto de vista político. A tal ponto que até mesmo a CNBB se sentiu autorizada a divulgar uma nota oficial com críticas aos políticos, fazendo exatamente essa ligação.
“Quando milhares de brasileiros e brasileiras ganham o irrisório salário mínimo de R$ 350, não há justificativa para que os integrantes do Parlamento gozem de tamanho privilégio, ou seja, o recebimento de R$ 24.600 por mês, acrescidos das verbas destinadas às despesas de gabinete, correio, viagens aéreas, gastos com escritório nos estados, além de outros benefícios, os quais somados poderão ultrapassar a quantia de R$ 100 mil mensais”, diz a nota dos bispos.
A CNBB coloca a discussão “nas esferas da ética e da moral, pilares do princípio republicano que deve nortear as atividades dos políticos, principalmente na democracia representativa”.
Os parlamentares criaram uma situação tão fora do senso comum que fica impossível discutir racionalmente se o valor do salário mínimo de R$ 375 cabe nas contas do governo, ou mesmo se deputados e senadores ganharem o mesmo que ministros do Supremo tem algum sentido.
Mesmo que tenha, a decisão é tão estapafúrdia diante das mazelas do país, e os parlamentares têm tantas outras remunerações paralelas que soam inexplicáveis para o cidadão comum, que não é aceitável uma decisão como essa, e só é possível entendê-la como sendo conseqüência da desfaçatez exacerbada que coroou a pior legislatura em muitos anos, que se encerra com esse “fecho de ouro”.
O que esses parlamentares estão querendo ao dobrar seus salários para R$ 24.600 no momento em que há um descrédito enorme dos políticos diante da sociedade? Estão brincando com fogo. Depois deste ano todo de impunidades, em que ninguém pagou por seus erros no Congresso, estão achando que podem fazer qualquer coisa, que não há limite para a paciência do cidadão.
Até têm base na realidade, pois grande parte dos mensaleiros e sanguessugas foi reeleita, nenhum foi cassado, apenas os protagonistas maiores do mensalão — Roberto Jefferson e José Dirceu — e mais um ou dois que já se perderam no lixo da História. A maioria conseguiu escapar por proteção corporativa, e eles estão se sentindo liberados para fazer qualquer coisa.
O perigo é que, juntamente com um Parlamento desacreditado, temos um presidente altamente popular que acaba de ser eleito por 60 milhões de brasileiros no segundo turno, e se considera acima dos partidos políticos.
O governo do presidente Lula ajudou a instalar no país esse clima de desmoralização do Congresso, primeiro patrocinando, através do seu chefe do Gabinete Civil, a distribuição de dinheiro em troca de votos e apoio político, de acordo com a denúncia do procurador-geral da República.
E depois estimulou a impunidade ao justificar o mensalão, dizendo que se tratava apenas de caixa dois, coisa que seria corriqueira na política brasileira.
Lula pessoalmente, e a máquina partidária do PT, protegeram seus aloprados, tanto no caso do dossiê dos sanguessugas quanto anteriormente, no mensalão, banalizando o erro, passando para a opinião pública menos informada uma anestesia ética que levou a esse estado de coisas.
Esse presidente tão popular, na hora da diplomação, emocionou-se ao dizer que o eleitorado dispensou as intermediações na hora de votar, e deu uma demonstração de que já sabe escolher por conta própria. Anteriormente, já havia dito a representantes de movimentos sociais que não devia a reeleição a ninguém.
Essa é uma mistura muito perigosa para a democracia.
Um Parlamento desmoralizado, impopular, e um presidente, ao contrário, muito popular, que ainda por cima se sente à vontade para criticar a decisão do Congresso, ficando do lado da indignação do cidadão comum. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já havia declarado que o Executivo não daria dinheiro para cobrir esses novos gastos. Ontem, Lula disse que não aumentaria o seu salário nem os do Executivo, pois tem a responsabilidade de manter o equilíbrio fiscal.
Esses aspectos da nossa democracia tornam muito delicada a situação presente.
Se não há mais o contraponto, se o sistema não funciona mais com os poderes servindo de contrapeso uns aos outros, ele se enfraquece. Se o Executivo, através de um presidente populista como é Lula, se fortalece muito, e o Legislativo e o Judiciário se enfraquecem, corremos o risco de acabarmos tendo um arremedo de democracia, uma democracia apenas aparente, no papel.
Está dado o cenário para que as mudanças institucionais sejam feitas apenas do ponto de vista do Executivo, que acaba assumindo cada vez mais poderes. É o que os especialistas chamam de hiperpresidencialismo, que já está instalado em diversos países, através de formas diversas.
Na Rússia, Putin domina todo o jogo político; na Venezuela, Chávez dá as cartas depois de ter alterado a composição do Judiciário, autorizado por um plebiscito, e domina o Congresso.
Na democracia, os partidos políticos deveriam ser os intermediários entre a sociedade e o governo, mas não houve no atual, nem haverá no próximo Congresso, a famosa “vontade política” para fazer realmente reformas de fundo no nosso sistema eleitoral que permitam o fortalecimento dos partidos políticos.
Entrevista:O Estado inteligente
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