Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 15, 2006

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS Sem saber para onde ir

A necessidade de manter o nível de receita tributária coloca um limite claro no volume de renúncia fiscal

ESTAMOS assistindo a um verdadeiro espetáculo de improvisações em relação à política econômica para o segundo mandato de Lula. Não passa um dia sem que alguma medida seja lançada como balão de ensaio por membros da equipe econômica. São sempre medidas pontuais, sem nenhuma amarração mais consistente, e quase sempre criando alguma renúncia fiscal localizada. Com isso, abriu-se a temporada de pressões, legítimas ou ilegítimas, por concessões do governo. O presidente da República, por sua vez, faz sua parte nesse verdadeiro teatro de variedades, anunciando metas de crescimento inviáveis e sem nenhuma ligação mais racional com a ação de seus ministros.
Para navegar nessa verdadeira terra do nunca que se transformou o Brasil, é preciso método e disciplina. É o que pretendo fazer hoje. Afinal, antes de saber o que Lula fará, talvez um bom ponto de partida seja considerar o que ele não teria coragem de fazer. Um primeiro passo nessa direção é a identificação das cláusulas pétreas dessa confusa macroeconomia da pobreza da era Lula. O presidente pode ser confuso nas suas idéias econômicas, mas é um especialista na condução da política no Brasil de hoje. E ele sabe que a estabilidade macroeconômica e um mínimo de crescimento nos próximos quatro anos são condições necessárias para o relativo sucesso do segundo mandato. Se algum dia Lula e o PT foram revolucionários, definitivamente viraram establishment.
As medidas que comporão o plano de crescimento estarão condicionadas por esses valores da estratégia de Lula. Portanto esse é um filtro eficiente para separar o joio do trigo de todos esses balões de ensaio que cobrem os céus de Brasília. Dito isso, podemos citar alguns passos que certamente serão seguidos por Lula.
O principal deles será a manutenção da independência operacional do BC, que terá liberdade de ação na manutenção da inflação por volta de 4% ao ano. Nesse campo, a racionalidade domina e devemos ter a Selic média de 12% em 2007 -taxa real de juros de 8% ao ano. Finalmente nos livramos do fantasma dos juros reais de 10% ao ano como nível mínimo compatível com o controle da inflação, que era sempre lembrado por aqueles que queriam justificar os juros elevados no país. Felizmente, esse fantasma deve estar guardado no armário do departamento de economia de alguma universidade.
Em segundo lugar, o governo disporá de espaço fiscal em 2007, resultante da redução de 1,5% do PIB das despesas de juros. Lula usará o espaço fiscal, mas não deve quebrar limites que comprometam os pilares de sua popularidade, principalmente a inflação baixa. A questão é como esse espaço será usado. Se, como espero, o governo não entrar em delírio e não promover uma farra fiscal, o déficit nominal nos quatro anos do segundo mandato poderá ser estabilizado entre 1% e 2% do PIB. Nesse cenário, e com a redução gradual do juro real, a relação dívida/PIB pode chegar a menos de 40% até 2010.
Mas condição crítica para a obtenção desse objetivo é a manutenção do nível de arrecadação de impostos, o que coloca um limite claro no volume de renúncia fiscal que o governo pode definir no seu mirabolante Plano de Desenvolvimento. Além disso, esse quadro fiscal foi construído considerando a manutenção dos investimentos públicos no nível atual de 0,7%, insuficiente para um programa de melhoria de infra-estrutura que permita alguma aceleração do crescimento. Para que isso ocorresse, o governo precisaria aumentar seus investimentos, diretos ou por meio das estatais, para cerca de 2% do PIB ao longo dos próximos anos. O problema é que, sem um esforço sério no sentido de redução das outras despesas, tal iniciativa dobraria o déficit nominal, o que reforça nossa conclusão sobre os limites para cortes de impostos.
Uma alternativa mais eficiente seria realizar parte dos investimentos em infra-estrutura via iniciativa privada. Mas, para isso, Lula teria de encontrar um discurso para reverter o violento ataque ao programa de privatização de FHC. Como sabemos que esse tipo de movimento não é obstáculo para o ocupante do Planalto, é possível que privatizações travestidas de alguma figura de linguagem venham a acontecer.
Resumo da ópera: não devemos esperar nenhuma alteração dramática da política econômica atual, mas estejamos preparados para mais uma enxurrada de promessas e figuras de linguagem do nosso falante presidente da República.

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