A taxa de elucidação de homicídios no Rio é inferior a 3%; nos EUA, em 65% dos casos um acusado é julgado |
NO SEU número de 13 de novembro, a revista "The New Yorker" publicou uma reportagem triste escrita por George Packer sobre o caos e a criminalidade em Lagos, a megacidade africana com uma população de 15 milhões de habitantes. Para um carioca, no entanto, o mais deprimente é ler que, com o intuito evidente de impressionar o jornalista, um administrador local declarou que Lagos é ainda mais perigosa do que o Rio de Janeiro. A cidade onde cresci está se tornando uma referência mundial em criminalidade, tal como foi a Chicago dos anos 20. Essa reputação é injusta -mesmo no Brasil há cidades onde se corre mais perigo-, mas é também natural, levando em conta a presença do Rio no imaginário mundial e a sua rápida decadência.
Um dos fatores associados ao crescimento da violência no Rio é o tráfico de drogas. Invasões de favelas para tomar pontos-de-venda de gangues rivais já se tornaram rotina. A incapacidade do governo federal de controlar o comércio ilegal de armas contribui para que essas batalhas entre gangues se tornem cada vez mais mortais. A política de proibição de drogas não é um fracasso somente no Brasil. Gary Becker, o professor da Universidade de Chicago e Prêmio Nobel de Economia, estima que a "guerra às drogas" que o governo americano empreende desde os anos 60 custe pelo menos US$ 100 bilhões por ano, com pouco efeito no consumo.
Drogas e armas, assim como a imensa desigualdade econômica, afetam todo o Brasil, mas o Rio de Janeiro é, além disso, vítima de uma polícia excepcionalmente corrupta e ineficaz. A taxa de elucidação de homicídios no Estado é inferior a 3%, enquanto nos Estados Unidos em 65% dos homicídios um acusado é levado a julgamento. Na última década, economistas utilizaram métodos estatísticos mais sofisticados para estimar o impacto de um aumento da probabilidade de punição na criminalidade. Em geral, esses trabalhos utilizam dados americanos, mas as melhores estimativas do efeito de punições na taxa de criminalidade indicam que, se a polícia fluminense atingisse a metade da eficácia que a polícia americana exibe na resolução de crimes, os homicídios no Estado cairiam quase 40%. A impunidade parece ser o principal estímulo à ação criminosa no Rio.
A polícia fluminense é também muito violenta. Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, no primeiro semestre deste ano, a polícia matou 520 pessoas. Para comparação, a polícia de São Paulo, Estado com uma população 2,5 vezes aquela do Estado do Rio, matou no mesmo período 290 pessoas, e todas as polícias americanas juntas mataram 341 pessoas em 2005. Os policiais fluminenses também sofrem violência a uma taxa muito superior à de seus colegas paulistas ou americanos.
A insegurança no Rio de Janeiro não é resultado de um "arrocho" fiscal. O Estado tem aumentado substancialmente os gastos com segurança, que hoje totalizam 12% do Orçamento. A despesa per capita com segurança pública no Rio é superior à de São Paulo ou à de Minas. O problema da qualidade da polícia fluminense também não surgiu da noite para o dia, mas é conseqüência de uma série de desgovernos que culminou com a inédita combinação de populismo e incompetência do casal Garotinho.
Para combater o crime, é importante reformar todo o sistema, incluindo um endurecimento da legislação, a aplicação mais rigorosa de penas pelo Judiciário e mudanças nas prisões, mas a prioridade é reconstruir a polícia. O professor Leandro Piquet, da USP, um grande especialista na questão, sugere que as medidas mais urgentes são: o aumento do controle externo para excluir os policiais corruptos ou excessivamente violentos, melhor treinamento e a seleção mais rigorosa de policiais. É necessário também escolher uma cúpula competente que possa aproveitar a vasta experiência internacional para desenhar uma estratégia adequada para aumentar a eficiência da polícia. A nomeação de policiais indicados por políticos para postos de comando, prática comum hoje em dia, precisa acabar.
O ambiente de segurança em Lagos, conforme relata o artigo da "New Yorker", é muito pior do que no Rio de Janeiro. Mas isso não é consolo; ao contrário, indica aonde podemos chegar.