Como a Guerra Fria fez da segunda metade
do século XX a época mais sombria da história
Rinaldo Gama
Em suas Memórias da Segunda Guerra Mundial, o primeiro-ministro inglês Winston Churchill relata que em maio de 1945 enviou ao presidente americano Harry Truman um telegrama alarmado. A causa do desconforto de Churchill era o "terceiro grande" da Aliança que se formara para combater as forças do Eixo: Joseph Stalin, líder da União Soviética. "Uma cortina de ferro foi baixada sobre o front deles. Não sabemos o que está por trás dela", advertiu o estadista britânico. Esse sentimento de desconfiança foi o ponto de partida de uma nova ordem internacional que teria início logo depois da II Guerra – e se arrastaria por mais de quatro décadas. Em História da Guerra Fria (tradução de Gleuber Vieira; Nova Fronteira; 308 páginas; 42 reais), o americano John Lewis Gaddis impõe-se a difícil tarefa de resumir, para um público de não-iniciados, como surgiu, se desenvolveu e terminou aquele complexo conflito que figura no título. O historiador da Universidade Yale mapeia o embate que, protagonizado pelos Estados Unidos e pela União Soviética, poderia ser lembrado como uma espécie de Terceira Guerra Mundial – simbólica, é verdade, mas ainda assim aterradora.
É difícil dizer com precisão quando começou a Guerra Fria. Não houve declarações de guerra nem rompimentos de relações diplomáticas. Mas logo ficaria claro que os Aliados tinham objetivos inconciliáveis. Enquanto os Estados Unidos e a Inglaterra apontavam para o liberalismo e a democracia, Stalin sonhava com a vitória final do comunismo. A radiografia dos primeiros anos da Guerra Fria constitui o ponto alto da obra de Gaddis. De forma didática, ele mostra como a questão das armas nucleares foi crescendo, criando a bipolaridade que dividiu o mundo a partir da segunda metade da década de 40. O medo de que, em algum momento, um dos lados apertasse o botão fatal era recorrente. A tensão mais grave viria em 1962, com a crise dos mísseis de Cuba. Após descobrirem que a União Soviética havia montado uma base para o lançamento de projéteis na ilha do ditador Fidel Castro, os Estados Unidos ameaçaram usar suas armas nucleares se os soviéticos não recuassem. Durante treze dias, até que o impasse se resolvesse, os nervos do mundo ficaram em frangalhos.
Gaddis acelera o ritmo do livro à medida que os acontecimentos históricos que descreve se aproximam das décadas recentes. Talvez faça isso porque nunca a própria história pareceu ter se precipitado tão velozmente como na derradeira fase da Guerra Fria, impulsionada por líderes como João Paulo II e Ronald Reagan. É do último uma das grandes tiradas do período, depois que três líderes soviéticos – Brejnev, Andropov e Chernenko – morreram em menos de três anos: "Como posso chegar a alguma parte com os russos se eles estão sempre me fazendo essa de morrer?". Coube ao premiê soviético seguinte botar o ponto final na Guerra Fria. Em 1991 – dois anos após a queda do Muro de Berlim –, Mikhail Gorbachev assinou o decreto que extinguia oficialmente a União Soviética. O embate, que começou sob o signo do medo, terminou com o triunfo da esperança – "uma trajetória incomum para grandes convulsões históricas", conclui Gaddis. O historiador conta que a idéia de escrever uma obra curta e acessível sobre a Guerra Fria – depois de haver publicado alguns portentosos volumes a respeito do tema, nos quais gasta até 300 páginas antes de chegar à década de 60 – lhe ocorreu quando seus alunos perguntaram: "Não dá para ter mais anos com menos palavras?". História da Guerra Fria prova que, sim, isso é possível – e sem sacrifício da inteligência.EXCLUSIVO ON-LINE | |
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