Artigo - Gaudêncio Torquato |
O Estado de S. Paulo |
17/12/2006 |
A observação de Lula de que esquerdistas acima de 60 anos e direitistas muito novos têm problemas ganha o concurso do “riso a bandeiras despregadas”. Nem mesmo o mal-estar que a boutade presidencial causou a setores da intelligentsia e a petistas consegue atenuar o riso. Quem considera Luiz Inácio esquerdista não entende de esquerda ou desconhece o personagem. Um pequeno esforço de memória dá para pinçar seu pensamento. “O senhor é comunista?” “Não, sou torneiro mecânico.” Assim respondeu quando o interrogaram nos tempos da ditadura. Resposta recorrente e que teve lances como este: “Não sou um cara muito chegado às definições ideológicas. Não quero saber o que Marx fez, o que Lenin fez, o que Engels fez.” Luiz Inácio foi um adversário histórico do Partido Comunista Brasileiro, fato freqüentemente lembrado pelo deputado Roberto Freire, presidente do PPS, partido que nasceu no leito do velho PCB. O torpedo, mesmo ganhando contrariedade e risadas, por querer internar no sanatório esquerdistas da terceira idade, alguns deles com lugar garantido no altar da Pátria, como o arquiteto Oscar Niemeyer, tem o mérito de resgatar a verdade profunda da alma, um sentimento que o homem não manifesta enquanto é prisioneiro do passado, devedor de compromissos e refém de ambições. Neste segundo mandato, Luiz Inácio parece sentir-se liberto de pessoas que teimam em enquadrá-lo na esquerda, na crença de que as votações arrebatadoras que recebeu, ao longo de sua história, mais se devem ao simbolismo do perfil - um nordestino que chegou à cidade grande num caminhão pau-de-arara e ascendeu ao cargo mais importante do País - do que ao posicionamento ideológico. Alguns intelectuais se consideram tutores do ex-metalúrgico, fazendo vista grossa a eventuais gols contra, essas pequenas extravagâncias que Lula jamais abandona, principalmente diante de platéias que já entram nos eventos com palmas prontas. Para os movimentos sociais, o fato de o presidente renegar a esquerda não causa constrangimento, contanto que lhes sejam concedidas condições para seguir entoando o canto revolucionário. É evidente que Lula, com a polêmica declaração, quis justificar a aproximação com o “direitista” Delfim Netto, que não se reelegeu deputado e de quem se considera amigo, eles que foram adversários nos tempos de chumbo. Deixando o plano de explicação para a análise do escopo da fala, não há como deixar de reconhecer que o presidente tem certa razão ao dizer que pedaços das margens correm para o centro, uma tendência internacional. O homem é ele e suas circunstâncias e só os imbecis não mudam, como ensina Ortega y Gasset. Mesmo que Lula fosse empedernido radical, não poderia deixar de acompanhar os movimentos da geopolítica internacional, como o arrefecimento das correntes de esquerda e direita, o enfraquecimento dos Parlamentos e das oposições, o desânimo das bases eleitorais e o estiolamento das siglas, com a fluidez dos partidos de massas e a expansão dos catch-all parties (partidos que agarram tudo). Emerge, em conseqüência, um ponto de chegada dentro de uma democracia costurada com os fios do liberalismo econômico, fortes redes de proteção social e amplas teias burocráticas governamentais. Vivemos o ciclo das modernas tecnodemocracias, na expressão de Maurice Duverger. Querendo fazer humor com a rigidez de certos “esquerdistas e direitistas”, Lula que, segundo se sabe, tem a capacidade da esponja (absorve tudo o que ouve), acerta em cheio quando identifica o equilíbrio pontuado pelas social-democracias ocidentais. E é isso que os herdeiros e cultores da “revolução do proletariado” não aceitam. Se a esquerda defende luta por mudanças e justiça social, pode-se aduzir que há poucos direitistas no Brasil. O assessor presidencial André Singer, que escreveu um livro sobre esquerda e direita no eleitorado, calcula que os esquerdistas cheguem a 15% dos eleitores, enquanto os direitistas somam uns 30%, ficando o restante nos espaços mais centrais de um lado e de outro. O que não está claro é o significado de esquerda e direita, principalmente por ser precária a definição, como Singer adota, de uma relação entre posicionamento à esquerda e escolaridade média mais elevada, identificação com a justiça social e transformação do País por meio da organização de grupos sociais, de baixo para cima. Ora, um fenômeno de alta significação no Brasil, nos últimos tempos, é a organicidade social. O poder que nasce e se desenvolve nos núcleos sociais, empurra o poder central (esferas públicas) e exige mudanças. Sob essa hipótese, o País vivencia o auge de uma identidade esquerdista. Nada mais falso. Lula não está “gagá”, como o definiram alguns de seus eleitores. Se disse um disparate ou entrou na andropausa, como outros afirmaram, não seria pelo fato de defender o caminho do meio, e sim pelo uso de um “lulômetro” que usa o fator idade para medir ideologia. Seria risível imaginar figuras exponenciais da intelectualidade pedindo conselhos a Freud, o pai da psicanálise, ou andando como dândis nos sanatórios por conta de aflições ideológicas. Na região de Bordeaux, na França, direita e esquerda são referências para cultivo de uvas. Na margem direita, planta-se a uva Merlot, conhecida pela flexibilidade; e na esquerda, a uva Cabernet Sauvignon, conhecida pelo extremo conservadorismo. Essa classificação tem mais utilidade que o uso das duas margens para caricaturar a sociedade brasileira. Aliás, um dos mais caros vinhos do mundo provém de uma região central da França. Trata-se da Borgonha, no centro-leste, onde se cultiva a complexa e delicada uva Pinot Noir, que produz o vinho tinto mais famoso da região, não por acaso o preferido da era Lula. Esse vinho, néctar dos deuses para uns, é mais conhecido pelos sessentões (caiu a ficha) como “o encontro do cetim com o veludo”. Charada decifrada: o centro é mais espaçoso que as margens. Porque é o lugar onde a experiência acolhe a satisfação. Lula tem razão. Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da |
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
segunda-feira, dezembro 18, 2006
Encontro do veludo com o cetim
Arquivo do blog
-
▼
2006
(6085)
-
▼
dezembro
(466)
- FERREIRA GULLAR De tédio não morreremos
- ELIANE CANTANHÊDE Lula herda Lula
- JOÃO UBALDO RIBEIRO O ano da mágica
- Merval Pereira A ação das milícias
- CLÓVIS ROSSI Uma ficção chamada Lula
- COMO LULA QUER SER LEMBRADO?por Paulo Moura, cient...
- A VOLTA DE QUEM NÃO FOI
- Delúbio estava certo...COMEMORANDO EM LIBERDADE
- MERVAL PEREIRA - O que é terrorismo?
- FERNANDO GABEIRA Governo e primos no aeroporto
- SERGIO COSTA Eles já sabiam.E daí?
- GESNER OLIVEIRA Lições de 2006
- FERNANDO RODRIGUES Obsessão petista
- CLÓVIS ROSSI O crime e o lusco-fusco
- NELSON MOTTA-A etica do acaso
- Lixo - uma chance para alguns avanços
- VEJA Especial
- VEJA Perspectiva
- veja Retrospectiva
- MILLÔR
- Diogo Mainardi O Homem do Ano
- Rio de Janeiro Terror na cidade
- Uma história ainda sem fim
- A agenda materialista da "bispa"
- Escândalo do dossiê O roteiro se cumpre
- FALÊNCIA MÚLTIPLA DE ÓRGÃOS
- A união contra o crime
- Míriam Leitão - As perdas
- Merval Pereira - União contra a bandidagem
- Luiz Garcia - Ocasião & ladrão
- Eliane Cantanhede - A PF morreu na praia
- Clóvis Rossi - Ponto para a barbárie
- O autoritarismo populista
- A cultura do privilégio
- Milícias paramilitares já controlam 92 favelas
- Celso Ming - As bolsas comemoram
- DE ATENTADOS, COMANDOS, PCC E MILÍCIAS!
- O Brasil é aqui Por Reinaldo Azevedo
- Demétrio Magnoli Leis da tortura
- REFLEXOS DE UM REAL VALORIZADO, E DE UM DÓLAR BARATO!
- Celso Ming - Tapete lambuzado
- CLÓVIS ROSSI O champanhe e o sonho
- Um pacto de seriedade
- Eliane Cantanhêde Opinião dos formadores de opinião
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Aos poucos
- Merval Pereira - Reinventar o Rio
- É ter fé e rezar Demóstenes Torres
- Sucesso de Incompetência (José Negreiros)
- Carlos Heitor Cony - Cadê Braguinha
- Você’ tem muito a aprender
- O etanol do Brasil assusta
- Descrédito absoluto
- Clóvis Rossi - O relatório do apocalipse
- Celso Ming - A ameaça chinesa
- ROBERTO DaMATTA Presente de Natal
- Míriam Leitão - Sem decolar
- Merval Pereira - Diagnósticos para o Rio
- José Nêumanne A republiqueta do João sem braço
- CAPITAL EXTERNO EM AÉREAS PODE SUBIR
- A IMPLOSÃO! OU GAROTINHO É O LULA DE AMANHÃ!
- "IMPERIALISMO" DEITA E ROLA COM LULA!
- PESQUISA INTERNACIONAL
- Isonomia e despautérios Jarbas Passarinho
- O apagão aéreo (nos EUA) Rubens Barbosa
- Arnaldo Jabor -Papai Noel nunca gostou de mim
- Clóvis Rossi - De fatos e conspirações
- Miriam Leitão Mulheres do mundo
- LUIZ GARCIA - Quanto pior, pior
- MERVAL PEREIRA -Mudar o astral
- As mistificações do diretor-geral da PF
- Lula cria vocabulário próprio em discursos
- SERGIO COSTA Preparar para não decolar
- VIVALDO DE SOUSA Planejamento necessário
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Carpe diem
- DENIS ROSENFIELD - A república corporativa
- FERREIRA GULLAR Natal em cana
- PLÍNIO FRAGA Notícias infernais
- CLÓVIS ROSSI O corte, os serviços e o Natal
- ENTREVISTA ANTÔNIO ANASTASIA
- FOLHA ENTREVISTA FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
- Miriam Leitão Melhor não
- JOÃO UBALDO Natal sensacional
- MERVAL PEREIRA -Cérebro e coração
- DORA KRAMER Lula e o populismo
- Miriam Leitão Janela discreta
- MERVAL PEREIRA -Sem impactos
- GESNER OLIVEIRA Natal sem pacote
- CLÓVIS ROSSI Respeito no ralo
- Quando destrava a economia? Perguntem a Marisa Let...
- Tiros no pé
- Míriam Leitão - Drama do emprego
- Merval Pereira - Chance renovada
- O reajuste do salário mínimo
- Mínimo irracional
- É preciso informar
- A voz do Brasil
- Eliane Cantanhede - Grave a crise
- Clóvis Rossi - Pé-de-meia
- A distorção do auxílio-doença
- Guerra à pobreza está sendo perdida
-
▼
dezembro
(466)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA