Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 02, 2006

Claudio de Moura Castro Uma sociedade atrasada

"Há pouca confiança nas instituições
e no governo. Pensa-se que eles existem,
sobretudo, para beneficiar os homens públicos.
É o dinheiro que faz a burocracia andar.
Que país é esse?"

Neste país os problemas do desenvolvimento econômico incluem a necessidade de modernizar a economia, a educação, a administração pública e os domínios científicos, filosóficos e espirituais. Ademais, falta realmente uma noção de igualdade entre as pessoas. Aceita-se a estratificação da sociedade, e as atitudes diante do povo são feudais e paternalistas. Algumas famílias cultivam o ódio por outras durante gerações. Diante de um conflito, não há limites para mentiras, conchavos e intrigas a fim de desmoralizar o inimigo. Em contraste, as famílias se endividam para oferecer festas de casamento suntuosas ou para receber convidados.

A verdade só é bem-vinda quando traz alegria e paz. A franqueza é uma idéia que ainda não se consolidou. O sentimento imediato é tudo. Para não desagradar, o sapateiro promete o conserto para uma data que não pode cumprir.

Atomica Studio


Há pouca confiança nas instituições e no governo. Pensa-se que eles existem, sobretudo, para beneficiar os homens públicos. É o dinheiro que faz a burocracia andar. Nos negócios, o puxa-saquismo é um meio de vida. Muitos são céticos, não acreditam que o progresso do país seja possível. A sociedade desenvolveu certo fatalismo. Muitos tendem a viver no dia-a-dia, dando pouca importância ao planejamento do futuro e à prevenção. Quando alguém começa a subir, sempre haverá um outro puxando-o para baixo, desacreditando ou trapaceando. As pessoas tentam as aventuras econômicas mais extravagantes com um mínimo de informação ou estudo. Mas ficam estarrecidas quando fracassam e perdem tudo. Formação profissional ou qualquer atividade que envolva o uso das mãos ainda é uma coisa indesejável. Muitas empresas não têm controle de qualidade nem pensam que o produto entregue deve ter a mesma qualidade da amostra exibida antes. Falta o sentido da obrigação de cumprir um contrato, e não se considera necessário pagar em tempo as dívidas contraídas. Uma das causas do atraso são os desfalques nas empresas. Roubar é esperto. Ser apanhado roubando é estúpido ou falta de sorte. Como não se pode confiar nos empregados, é melhor contratar alguém da família. Muitos não conseguem desempenhar suas ocupações por causa de anemia crônica, vermes ou deficiências renais. Muitos doentes sérios não são tratados. Raramente uma apendicite é diagnosticada antes que se forme um abscesso.

Que país é esse? Quando criança, Paul S. Crane acompanhou seu pai, um missionário americano enviado à Coréia. Voltou para os Estados Unidos, formou-se em medicina e retornou à Coréia, para dirigir um hospital. Em 1967, escreveu Korean Patterns, com o objetivo de orientar americanos em visita àquele país. Montei os parágrafos anteriores com trechos pescados do livro, traduzidos e citados sem alterações, exceto pela eliminação de partes que tirariam a surpresa do texto.

Nada que lembre a Coréia de hoje, incensada pelos jornalistas e visitada por mim há pouco tempo. Pelo contrário, parece a descrição de um Brasil velho que teimosamente sobrevive. Todas as mazelas morais, econômicas e administrativas são parecidas com as nossas. Os mais pessimistas diriam que descreve o Brasil verdadeiro, o novo sendo pura miragem.

É leviano tirar conclusões a partir de tão pouco. Mas podemos arriscar alguns palpites. Se a Coréia conseguiu dar a volta por cima, por que nós não podemos? Há pontos mais sutis. Ao que parece, as pessoas são vulneráveis e a moralidade não resiste à fome. Não obstante, quando as condições materiais melhoram, a sociedade se depura, as virtudes mais elevadas encontram maior espaço e os instintos mais primitivos são coibidos, num processo virtuoso em que os sucessos de um lado realimentam o outro. Tomando-se uma distância histórica, a evolução da Coréia não é tão diferente da trajetória brasileira – que também foi muito positiva até quase o fim do século XX. O problema é que nossa impaciência não tolera o ritmo da história recente. Talvez a disciplina e o estoicismo dos coreanos, acumulados ao longo de 3 000 anos de uma história sofrida, possam nos ajudar.

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