Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 13, 2006

A Bolívia que a Petrobrás vê



Editorial
O Estado de S. Paulo
13/12/2006

Há sete meses, a Petrobrás anunciou a suspensão de todos os seus investimentos na Bolívia, exceto aqueles rigorosamente necessários para a manutenção das operações em curso. Alegava, com toda a razão, que a instabilidade política do país, agravada pela mudança do marco regulatório de toda a atividade ligada a hidrocarbonetos, inviabilizava os investimentos e criava uma situação que podia comprometer a presença da empresa no país. Nos termos da nacionalização das reservas de gás e petróleo, o governo boliviano exigia das empresas estrangeiras que operavam no país a revisão dos contratos de exploração dos hidrocarbonetos e, no caso da Petrobrás, também a revisão dos preços do gás vendido para o Brasil e a desapropriação das refinarias operadas pela empresa. A posição da Petrobrás era clara e correta. À empresa não interessava transformar-se em mera prestadora de serviços nos campos de petróleo e gás; não aceitava rever os preços do gás, a não ser nos termos do contrato vigente; e não admitiria desapropriação de instalações sem o justo pagamento de indenizações.
Pouco a pouco, porém, a Petrobrás foi amolecendo, em conseqüência, obviamente, das pressões recebidas do Palácio do Planalto e do Itamaraty. Na noite de 28 de agosto - data-limite fixada por Evo Morales - assinou um novo contrato de exploração de gás e petróleo. As discussões para a revisão do preço do gás foram iniciadas. E o processo de desapropriação das refinarias só não avançou porque as autoridades bolivianas consideram não ter, no momento, capacidade técnica e financeira para assumir a operação das unidades.
Agora, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, e o diretor de Gás e Energia da empresa, Ildo Sauer, anunciam que a Petrobrás está estudando a retomada dos investimentos na Bolívia. A explicação de Gabrielli para a mudança de posição da empresa é singela: "Fizemos um contrato de exploração e produção, aprovado pelo Congresso boliviano depois de um longo processo de negociação, e consideramos que esse contrato permite rentabilidade para novos investimentos e estamos dispostos a analisar novas possibilidades de investimentos na Bolívia." O curioso é que o texto desse contrato - que o presidente da Petrobrás garante ser vantajoso e diferente do contrato-padrão apresentado pelas autoridades bolivianas - não foi divulgado no Brasil. O governo e os parlamentares bolivianos sabem o que assinaram; os acionistas brasileiros da Petrobrás têm de se fiar na palavra do presidente da empresa.
Já o diretor de Gás e Energia vai mais longe. Ao argumento de Gabrielli ele acrescenta uma informação absolutamente surpreendente: a situação na Bolívia é estável e permite a retomada dos investimentos.
Por isso, a Petrobrás e a Yacimientos Petroliferos Fiscales de Bolivia (YPFB) criaram grupos de trabalho para estudar, em 120 dias, as alternativas para a ampliação do fornecimento de gás ao Brasil. Isso poderá ser feito ou com a expansão do gasoduto Bolívia-Brasil, ao custo de US$ 200 milhões, ou com o aumento do poder calórico do gás atualmente transportado, ou com a construção de uma nova tubulação, a um custo elevadíssimo.
Ora, a situação na Bolívia é tudo, menos estável. A "refundação" da Bolívia, projetada por Evo Morales, encontra resistências em todas as partes. Há dias, os governadores de seis dos nove Departamentos (Estados) do país organizaram um protesto contra as mudanças regimentais feitas por Evo Morales na Constituinte, e que permitirão a aprovação da nova carta por maioria absoluta, e não por dois terços dos votos, como prevê a Lei Convocatória sancionada pelo próprio Morales. Depois disso, cerca de 2 mil oposicionistas fizeram uma greve de fome em protesto contra o autoritarismo do presidente.
E esta semana os governadores dos quatro Departamentos mais ricos e populosos do país - Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando -, junto com comitês cívicos, constituíram a Junta Autonômica Democrática da Bolívia, com o objetivo de garantir a "autonomia departamental plena" obtida em plebiscito realizado em julho, mas que Morales reluta em conceder.
Evo Morales entende que o movimento autonomista é, na verdade, separatista - e ameaça empregar as Forças Armadas para garantir a integridade territorial da Bolívia.
Investir num país nessa situação é, no mínimo, uma irresponsabilidade que os acionistas da Petrobrás não podem admitir.

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