Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 21, 2006

Lula e o jabá eleitoreiro


artigo - Roberto Macedo
O Estado de S. Paulo
21/9/2006

A eleição presidencial deste ano tem uma escandalosa, enorme e custosa novidade em matéria de vícios do processo eleitoral, pois nunca "neste país" um candidato usou tanto dinheiro público para cooptar eleitores a votar nele. Refiro-me às práticas do presidente-candidato Lula, ao distribuir benesses claramente programadas e agendadas com esse objetivo.
A mais importante e custosa foi a elevação, este ano, do salário mínimo - também piso do INSS - de R$ 300 para R$ 350, um reajuste de 16,7% para uma inflação de cerca de 5% desde o reajuste anterior, caracterizando, assim, um aumento real acima de 10%. Custo estimado para o bolso do contribuinte: R$ 7,8 bilhões. Desde seu início o governo Lula vinha adotando expressivos reajustes reais do mínimo, mas o último foi particularmente acentuado.
Também de enorme custo foram vários reajustes concedidos a servidores públicos e aprovados pelo Congresso no seu último "esforço" concentrado antes do período eleitoral.

Claramente há uma distribuição de dinheiro público em busca de votos

Segundo matéria publicada ontem neste jornal, alcançaram mais de 110 mil servidores, a um custo de R$ 5,2 bilhões até 2008, quando a última parcela da farra entrar em vigor. Digo farra porque no processo foram atropelados critérios que deveriam pautar esses reajustes, como o da equivalência salarial com o setor privado.
Neste caso também há um histórico que vem do início do governo, que recorreu ainda a forte ampliação do número de funcionários, inclusive por meio de mais cargos sem concursos para a turma da "boquinha", como a desse Freud que acaba de sair. A mesma reportagem informa que a folha de pagamentos do Executivo se ampliou de R$ 75 bilhões, em 2003, para R$ 112 bilhões, neste ano.
Como o forte reajuste do salário mínimo, outra medida mais claramente eleitoreira no seu tempo e no seu alcance foi a ampliação do programa Bolsa-Família, cujo número de beneficiárias passou de 8,3 milhões para 11,1 milhões este ano, ainda segundo a mesma notícia. A medida ampliará em mais R$ 2 bilhões por ano as despesas com o programa.
Tais benesses de cunho marcadamente eleitoreiro me lembram o jabaculê, ou simplesmente jabá, nome dado ao esquema pelo qual empresas fonográficas fazem pagamentos a rádios para que incluam determinadas gravações na sua programação usual. É claro que benesses eleitoreiras como as apontadas não têm o voto como condicionante do recebimento, mas a falta de ética é a mesma. Em particular, dadas as carências de aposentados que ganham o salário mínimo e das beneficiárias do Bolsa-Família, é muito alta a probabilidade de sucesso desse é-dandoque-se-recebe.
Outro aspecto comum aos dois jabás é que vêm de forma disfarçada. Nas gravadoras e rádios se fala de "verba de divulgação", no jabá eleitoreiro há sempre o pretexto do "tudo pelo social". Não há razões legítimas para que a preocupação com o social esteja ligada ao ciclo eleitoral. Assim, é claro o interesse em buscar votos. Como no jabá radiofônico, há uma programação a executar.
Quando, em 2003, o deputado Fernando Ferro (PT-PE) apresentou projeto de criminalização deste último jabá, declarou que os ouvintes "consomem uma operação financeira, e não uma opção de programação". Hoje, o que há é a distribuição de dinheiro público para que seu tilintar torne os ouvidos mais abertos ao canto de um candidato, influenciando preferências por sua música eleitoral. Nos dois casos, em troca também se aperta um botão: o da execução da música e o do voto na urna.
Tal perniciosa prática eleitoreira precisa ser proibida e criminalizada, para o que há duas alternativas, isoladas ou complementares. A primeira seria acabar com a o instituto da reeleição, o que diminuiria o interesse presidencial pela prática.
A segunda seria proibir, nos dois anos finais de mandato, reajustes acima da inflação tanto para o salário mínimo como para salários de servidores, aposentadorias pagas pelo governo e verbas de programas sociais pagos em dinheiro.
Alguém poderia argumentar que propostas como essas são de economistas distantes da realidade política nacional.
Ora, nosso papel é sugerir soluções econômico-financeiras, e sabemos que as chances de adoção são bem maiores quando o problema se torna mais grave, como nesse caso, e como ocorreu com a inflação e com a crise das dívidas estaduais. É essa crise que deve servir de exemplo, pois foi na esteira dela que se consolidaram limites para o endividamento e para gastos (como os de pessoal) relativamente às receitas públicas, culminando com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Infelizmente, o governo federal não tem limites correspondentes para gastos como o BolsaFamília e os ligados ao salário mínimo, nem para endividamento, os quais precisariam ser criados e aperfeiçoados.
A propósito, não se vê neste ano eleitoral notícia de que os governadores estaduais estejam envolvidos em farras de gastos como a que ocorre no plano federal. E não se pode dizer que por vocação sejam menos gastadores que o presidente. O que acontece é que estão sujeitos a uma legislação proibitiva que segue o velho ditado: cavalo comedor, cabresto curto.
Assim, sem um cabresto fiscal-eleitoral para o governo federal, vamos continuar observando essa orquestração eleitoreira que tem o presidente-candidato como maestro a comprometer as finanças públicas do País, e a viciar o processo eleitoral.
Claramente, há uma distribuição de dinheiro público em busca de votos, com alta probabilidade de sucesso junto a eleitores propensos a votar em reconhecimento das dádivas recebidas. Estas de mais um "pai dos pobres" cujo governo também contribui para mantê-los nessa condição.

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