O dilema e o exemplo
"Friedenbach, o pai da menina assassinada,
merece aplausos por tanta lucidez no meio
de tanta dor"
Em novembro de 2003, os adolescentes Felipe Caffé, 19 anos, e Liana Friedenbach, 16, foram acampar às escondidas dos pais nos arredores de Embu-Guaçu – e essa aparentemente inocente transgressão resultou num crime bárbaro. O casal foi seqüestrado e assassinado. Caffé morreu com um tiro na nuca. Liana foi violentada diversas vezes e morta a facadas. Pois essa tragédia levou a Justiça brasileira a produzir uma cena raríssima na semana passada. O julgamento de três assassinos terminou com sentenças exemplares (as penas, somadas, chegam a 177 anos de prisão) e até elogios dos pais das vítimas. "É uma felicidade estranha, parcial. Agora, pelo menos, tenho certeza de que foi feita justiça", disse a enfermeira Lenice Caffé, mãe de Felipe. "Estou muito satisfeito com a sentença, mas nada alivia meu coração", disse o advogado Ari Friedenbach, pai de Liana.
Apresentado dessa forma, o caso parece ter tido um desfecho adequado e finalmente podemos ter a sensação, ainda que momentânea, de que não vivemos no reino da impunidade. Na verdade, o caso é maior que isso: tem um dilema legal e um exemplo comovente. O dilema é que os assassinos foram cinco, e não três. O quarto será julgado em breve, mas o quinto nunca se sentará no banco dos réus. É R.A.C., que na época do crime tinha 16 anos. Sendo menor de idade, Champinha, como é conhecido, foi recolhido a uma unidade da Febem, de onde poderá sair em março do ano que vem, quando se completam três anos de internação, o máximo previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Champinha não foi coadjuvante no crime. Deu a idéia de seqüestrar o casal, estuprou a menina e desferiu as facadas que a mataram. Se não houver um laudo mostrando que é um psicopata, ou algo parecido, para que fique encarcerado, Champinha pode ganhar as ruas em 2007 – e com ficha policial limpinha.
É justo? É justo que, três anos depois de cometer um crime repulsivo, esse adolescente seja libertado como se nada tivesse acontecido? Claro que não. Então o Brasil deveria reduzir a idade penal para permitir que adolescentes possam ser presos como qualquer adulto criminoso? A resposta parece óbvia, mas não é. Será que simplesmente despachar um jovem para os depósitos de lixo humano que são as prisões brasileiras resolveria alguma coisa? Ou apenas saciaria o apetite da banda que rosna que bandido não tem direitos humanos?
É aí que entra o exemplo notável. Ele vem de Ari Friedenbach, pai de Liana. Assim que perdeu a filha, num movimento plenamente compreensível, Friedenbach empenhou-se numa campanha pela redução da maioridade penal. Visitou Brasília, pediu um plebiscito sobre o assunto, organizou um abaixo-assinado. Agora, passados três anos, ele dá uma bela demonstração de integridade humana e honestidade intelectual quando perguntado se ainda é a favor da redução da idade penal. "Não", diz. "Com o tempo, lendo, conversando, refletindo, mudei minha forma de ver isso. A redução da maioridade penal, pura e simplesmente, é uma medida muito, muito equivocada. Menores que cometem crimes hediondos têm de responder por eles, mas em uma unidade prisional da Febem que tenha punição e ressocialização. Não adianta colocar em prisão para adultos."
Friedenbach merece aplausos por tanta lucidez no meio de tanta dor.