Nunca uma seleção representou tanto o momento do Brasil como esta do
Parreira. Com soberba desproporcional à sua capacidade funcional,
sentindo-se desobrigada de exibir as hipotéticas qualidades a si
mesma atribuídas, montada em cima do puro marketing, da meia-lógica
sem substância, investindo no que julgava ser um irresistível
carisma, tentando "faturar" conquistas do passado, como se do
presente (e dela) fossem, com seus integrantes ganhando muito "por
fora" (em contratos milionários de publicidade que lembram quem?),
esparramando desculpas esfarrapadas ao negar as próprias falhas, como
se tentasse levar ao pódio o próprio fracasso, a seleção do
"Barreira" foi a autêntica expressão do faz-de-conta, do "como se
fosse", da impostura geral que envolve o poder num manto de
fingimento, sem conseguir disfarçar sua falta de fibra, de coragem,
de raça. Em matéria de pretensão megalomaníaca extrapolou as medidas,
ao fazer colocar no ônibus embandeirado que a transportava pela
Alemanha, com a devida versão em inglês, a ridícula frase: "Veículo
monitorado por 180 milhões de corações brasileiros."
O Brasil jogou sem conhecimento, sem plano, sem treino, sem
estratégia, sem tática, sem jogada ensaiada, sem estudo do
adversário, sem esforço de aprendizado, sem sistema de marcação, sem
garra, sem vontade, sem orgulho, sem vergonha. Não caiu de pé, depois
de uma luta renhida, nem foi injustiçado pela arbitragem, como
Portugal, diante da mesma seleção adversária. Caiu de cócoras. E,
indo muito além do que seria o espírito esportivo, alguns de nossos
jogadores, após a derrota, cumprimentavam os vencedores com uma
euforia que mais parecia um agradecimento, batendo as palmas das duas
mãos contra as deles, num gesto de cumplicidade. Parecia que o que
lhes importava, muito mais do que a torcida do Brasil, era o fato de
pertencerem à mesma turma de craques dos times europeus - da mesma
forma que ao governo brasileiro, depois da humilhação que nos foi
imposta por Evo Morales e seu guru Hugo Chávez, importa mais a alegre
e afetuosa submissão a nuestros hermanos del (fracasado) Mercosur.
Não há como negar o fato de Luiz Inácio Lula da Silva ter sido o
presidente da República que mais explorou a paixão brasileira pelo
futebol - a ponto de quase não haver falas suas sem metáforas
futebolísticas - e mais se envolveu com a seleção, numa Copa do
Mundo, desde os temos em que o general-presidente Emílio Garrastazu
Médici, no auge da ditadura militar, portava seu radinho de pilha
encostado no ouvido, dava conselhos de escalação ao técnico,
adivinhava resultados de jogos e era aplaudido nos estádios, por essa
tão popular afinidade - insuflada pelo terrível slogan "ame-o ou
deixe-o".
Depois da desastrada videoconferência em que tentou associar
fortemente sua imagem à seleção, mas ao ter se referido à gordura de
Ronaldo deu margem a que o jogador lhe desse um também indelicado
troco, mencionando seu suposto hábito de beber em excesso, o
presidente certamente foi aconselhado por seus assessores a manter
uma certa distância da seleção, pelo menos até vê-la bem-sucedida. A
videoconferência não deu certo, não só pela repercussão da polêmica
calórico-alcoólica tida com Ronaldo Fenômeno, mas de outros conselhos
infelizes dados ao treinador, tal como aquele de mandar o Ronaldinho
Gaúcho "não fazer cara feia, como se quisesse matar o adversário",
mas manter o habitual sorriso em suas cobranças de faltas, o que
mereceu de Parreira a resposta: "Esse conselho eu não posso dar,
presidente, porque para bater falta ele precisa estar focado,
concentrado. Sorrisos e brincadeiras são para os treinos."
Por falar em Ronaldinho Gaúcho, o presidente Lula fez a associação
mais absurda já ouvida de um homem público, ao comparar o jogador a
nada menos que a Petrobrás. Arre! Agora, alguém duvidará do tamanho
do estardalhaço que o presidente-candidato haveria de fazer, em
festas e recepções apoteóticas, talvez nas cidades de cada um dos
jogadores da seleção (titulares e reservas), se esta nos trouxesse o
hexa? É claro que nada mais justo seria o chefe de Estado e de
governo brasileiro oferecer tais homenagens aos patrícios que teriam
conquistado o maior troféu internacional de futebol do mundo. E isso,
decerto, não criaria problemas com a Justiça Eleitoral, pois não
significaria inauguração alguma - no máximo, haveria de ser uma
inspeção, ou vistoria, feita pelo presidente em seu trabalho
rotineiro, quem sabe para comprovar o controle de calorias na dieta
alimentar de nossos craques.
Não há como deixar de associar o conceito de "quadrado mágico" à
estruturação primordial de um governo que, inicialmente, concentrou
em quatro figuras fundamentais, basilares, toda a sua estratégia
político-administrativa, econômica e comunicológica. Realmente, foi
no quadrado Lula-Dirceu-Duda-Palocci que se montou um projeto de
poder de longo alcance, destinado a deitar raízes sólidas em todo o
território nacional. Mas o quadrado não deu certo e não se treinaram,
no devido tempo, alternativas para sua imprescindível substituição.
De qualquer forma, a derrota do faz-de-conta pode significar uma
tomada de consciência que conduza à reversão de expectativas: do
futebol à ética na política.
P. S. 1 - Será que ninguém entendeu? Parreira dá uva, uva dá vinho e
vinho é com os franceses mesmo.
P. S. 2 - Está certo que o Hino Nacional é difícil de decorar. Mas
também não precisava disfarçar, lambendo os beiços.
P. S. 3 - Já se podem ver, em São Paulo, carros circulando com o
adesivo: "Lula é um pé-frio (13 letras)."