O Estado de S. Paulo
13/7/2006
Na sua rodada atual, a política salarial do governo Lula para os
servidores públicos federais merece o título acima, pois é um
caríssimo amontoado de reajustes bem acima da inflação, às vezes
concedidos por pressões dessa ou daquela categoria, inclusive
mediante movimentos grevistas que o governo trata como se
participasse deles. Tampouco se assenta nas normas de uma eficiente
administração de salários, entre elas a de que a melhor remuneração
deve premiar o desempenho funcional e, ainda, levar em conta o que
pagam outros empregadores. Lembra também uma campanha publicitária
que vi na televisão, anunciando prêmios para consumidores e repetindo
exaustivamente o lema: “Dá, dá, dá.”
Em 23 de junho, este jornal anunciou que a rodada beneficiará 1,7
milhão de servidores, com um reajuste médio de 12,5%, mais que o
dobro da inflação nos 12 meses anteriores ou a prevista para o mesmo
período no futuro. O custo estimado era de R$ 7,7 bilhões em base
anual. Noutra reportagem, uma semana depois, para o mesmo número de
servidores o custo subiu para R$ 10,8 bilhões, e em alguns casos o
reajuste chegará a 52%, o que lembra novamente o “dá, dá, dá”, pois
alguns levam prêmios maiores.
O pacote também beneficia servidores aposentados e pensionistas, mas
em enorme contraste com o reajuste dado aos 7,7 milhões que estão na
folha do INSS e ganham acima do salário mínimo, muito menos que esses
servidores. Como se sabe, esses 7,7 milhões tiveram um reajuste de
apenas 5%, que o Congresso elevou para 16,67%, mas a medida, que
custaria R$ 7 bilhões este ano, foi vetada por Lula sob a alegação de
falta de dinheiro, que não faltou para essa ciranda de reajustes para
os servidores federais.
Houvesse uma política salarial digna do nome, os reajustes seriam por
carreiras e precedidos por cuidadosa análise de cargos e salários,
baseada no princípio da isonomia salarial com o mercado de trabalho
em geral, o que levaria à comparação de remunerações para cargos de
responsabilidades e requisitos educacionais equivalentes, no governo
e nesse mercado. Os cargos podem não corresponder à mesma atividade,
mas essas responsabilidades e tais requisitos podem ser comparados.
Dessa comparação resultaria uma lista de reajustes corretivos
defensáveis, na medida em que se constatasse que o governo estivesse
a pagar abaixo do mercado. Por que pagar mais ou pagar menos?
Mas não é isso o que acontece e as remunerações pagas aos servidores
não resistem a uma análise criteriosa. E não é só no Executivo. O
Congresso aprovou recentemente um reajuste médio de 15% para os
funcionários da Câmara, inclusive os admitidos sem concurso. Nessa
Casa, o salário médio mensal é de R$ 10 mil, o que já indica que seus
servidores recebem bem acima do mercado. O pretexto foi o de
equiparar as remunerações com as do Senado. Trata-se de uma aplicação
limitada e indevida do princípio da isonomia, em que só se busca a
que interessa aos servidores e a seus padrinhos políticos. Com isso
são consagrados e ampliados inaceitáveis privilégios para esses
servidores.
No Judiciário federal e no Ministério Público da União a situação
também não é diferente, é até pior, pois essas duas áreas se destacam
nos seus avanços salariais. Uma das razões, que também se aplica no
Legislativo, é que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) lhes deu um
limite de gastos com pessoal acima do que já vinham gastando, folga
essa que virou pretexto para ampliar essas despesas. E mais: ao mesmo
tempo os jornais noticiam que desembargadores dos judiciários
estaduais prosseguem sua ofensiva para manter salários bem acima do
teto individual de R$ 24,5 mil por mês, fixado por emenda
constitucional. Quando um teto é conveniente, cheguemos a ele; quando
outro não interessa, subamos nele, que vira piso.
De tamanha desordem salarial não se pode nem dizer que é o fim da
picada. Não é o fim, pois a farra continua, custeada por uma carga
fiscal que não pára de subir. E só é uma picada em cima e de modo
permanente no coitado do contribuinte, indefeso diante desse quadro,
pois os políticos que mal o representam são os que o tornam ainda
mais grave.
Antes de concluir, uma observação: escrevi acima que os reajustes
foram concedidos sem cobrança de desempenho, mas há uma “exceção”.
Para os auditores fiscais da Receita Federal, um dos grupos
grevistas, o prêmio foi um aumento de mais de 100% na gratificação de
desempenho que integra sua remuneração. O pagamento extra (“só” R$
1,25 bilhão em 2006), contudo, ficou condicionado a que a arrecadação
federal termine o ano com R$ 6 bilhões acima da previsão anual.
Ora, como não houve aumento de alíquotas, se isso ocorrer, uma razão
terá sido o crescimento da economia. Se uma parte vier do esforço
adicional dos auditores, isso significará que por questões de má
administração tributária a carga de impostos não vinha alcançando
todo o seu potencial. E mais: a meta poderá ser atingida porque essa
administração passará a ser exercida com maior rigor, com risco de
excesso de zelo. Isso acontecendo, o já exaurido contribuinte será
obrigado a tossir mais impostos, ficando as reclamações para
intermináveis processos administrativos e judiciais. Assim, mesmo sem
maiores alíquotas a carga deverá aumentar e você, caro leitor, mais
uma vez pagará a conta dessa farra.
Vista do governo, a política é a do “eu dou, você paga”. Na linguagem
do presidente, duvido que exista outra nação onde a
irresponsabilidade fiscal e o desrespeito ao contribuinte sejam tão
grandes como neste país.
Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade
Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap,
foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda