Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 08, 2006

Contas externas - não existe almoço grátis : Nathan Blanche* Estado

Contas externas - não existe almoço grátis

As nossas expectativas para balança comercial e fluxo cambial são
bastante positivas para 2006 e 2007. Isso indica que a tendência da
taxa de câmbio ainda é de apreciação. Para conter esse movimento, o
governo deveria reduzir as barreiras às importações. Isto causaria:
1) um menor saldo comercial; 2) queda dos preços internos; 3) juros
mais baixos com conseqüente maior crescimento; 4) maior
competitividade nos insumos que são posteriormente reexportados; e 5)
aumento de demanda por dólar e queda na pressão de apreciação da taxa
de câmbio, sem custo para o contribuinte.

Com um maior grau de abertura da economia, a partir de 1990, e com a
adoção do câmbio flutuante, em 1999, as empresas puderam se
beneficiar do forte crescimento da economia mundial, principalmente
de países consumidores de commodities agrícolas e metálicas, como a
China e a Índia. Isso possibilitou a geração de robustos superávits
na balança comercial. Graças a essas mudanças, o Brasil terá pelo
quarto ano consecutivo superávit em conta corrente. Ou seja, o País
tornou-se exportador de poupança.

Com o fluxo favorável advindo do comércio externo, tanto o governo
como o setor privado reduziram suas dívidas cambiais de US$ 225
bilhões em 1999 para US$ 162 bilhões este ano. No período, as
reservas internacionais subiram de US$ 36,5 bilhões para US$ 82
bilhões (US$ 63 bilhões em moeda e mais US$ 19 bilhões em swaps
reversos, operações feitas pelo Banco Central no mercado para conter
a queda do dólar). Com o pré-pagamento de dívida externa (US$ 20
bilhões) anunciado pelo Tesouro neste ano, podemos declarar o fim da
fragilidade externa do Brasil. Se não fosse a situação das contas
públicas, poderíamos obter o investment grade, o grau de investimento
das agências internacionais de classificação de crédito.

Esse fluxo positivo de recursos também pode estar levando a taxa de
câmbio real a um nível crítico para as exportações, inclusive dos
setores mais competitivos, como o agronegócio e a mineração. Embora o
agronegócio tenha ocupado apenas 35% da pauta comercial brasileira,
será o responsável por US$ 39 bilhões, ou 90% de todo o saldo da
balança comercial de US$ 43 bilhões. Alguns exemplos: da produção de
açúcar, exportamos 65%. Do café, 60%. Do complexo da soja, também
60%. Somos muito eficientes no campo, mas vale registrar que perdemos
na logística e nos custos dos insumos.

A nosso ver, a solução para o câmbio é maior abertura da economia,
como dissemos, e não intervenção do Banco Central comprando dólares,
um cacoete do passado que persiste no lobby de diversos setores. Em
2005, por exemplo, o Banco Central e o Tesouro compraram cerca de US$
31 bilhões em câmbio, mais US$ 19 bilhões em swaps reversos,
totalizando US$ 50 bilhões. O custo de financiamento desse montante é
de aproximadamente 10% ao ano. Portanto não existe almoço grátis na
economia.

Para continuar exportando mais, devemos importar mais. O nível de
abertura comercial dos principais países emergentes é de cerca de 50%
do produto interno bruto (PIB). O da China é de 75%. No caso
brasileiro, a soma das exportações mais importações ainda é de cerca
de 30%. Temos muito ainda a evoluir no comércio exterior. Para chegar
ao nível médio da abertura da economia dos países emergentes, devemos
dobrar as nossas importações para cerca de US$ 160 bilhões. Com isso,
o Brasil se tornaria mais competitivo e as exportações poderiam
chegar a US$ 190 bilhões.

Evidentemente, o melhor dos mundos seria fazer essa redução de
tarifas no contexto de acordos bilaterais. Mas, se isso não for
possível, devemos unilateralmente reduzir as tarifas de importação,
começando pelos setores que são superprotegidos e que ainda dispõem
de tarifas e salvaguardas de importação que chegam a 35% e 50%. A
essa abertura deve se somar uma modernização da legislação cambial,
que é totalmente arcaica no Brasil.

O cobertor é curto. Num regime de câmbio flutuante e economia
globalizada, se protegemos determinados setores, os que possuem
vantagens comparativas pagam a conta pelo protecionismo aos demais.

*Nathan Blanche é economista e sócio da Tendências Consultoria

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