Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 04, 2006

Cidades rurais artigo - Xico Graziano

O Estado de S. Paulo
4/7/2006

Mede-se, há tempos, o desenvolvimento das nações por sua taxa de
urbanização. Quanto maior a população das cidades, mais evoluída está
a sociedade. Esse critério, demográfico, começa a ser contestado. O
espaço rural se projeta.
A velha ordem fisiocrata, dominada pela nobreza sobre o campesinato,
começou a se desmantelar com o florescimento das antigas cidades
medievais.
O nascente comércio originou a burguesia urbana. No século 18, a
vitória da urbe sobre o campo se consagrou com a industrialização
capitalista.
O processo de desenvolvimento exigia alterar a distribuição espacial
da população. Assim ocorreu, com distinta velocidade. Na Europa, o
êxodo rural se procedeu suavemente, durante gerações. No Brasil,
configurou uma marcha acelerada, uma corrida rasa.
As capitais se encheram de gente, expandindo-se impetuosamente. Dos
caminhões pausde-arara despencavam famílias buscando vida nova.
Metrópoles ergueram imensas pe

Chegou a hora de urbanizar o campo.O computador vai substituir a estrada

riferias num piscar de olhos.
Moradias precárias, abastecimento sofrível, tantos senões, mas nada
freava o ímpeto da mudança social.
No interior, municípios disputavam entre si a primazia do
crescimento. Aumentar a população urbana era sinônimo de progresso.
Vereadores ampliavam o perímetro urbano do município, roubando área
da agricultura para os "distritos industriais". Loteamentos
explodiram. Chique era o asfalto.
Entre 1950 e 1970, inverteuse a pirâmide populacional. Os habitantes
rurais, majoritários em 63,8%, decaíram para 44,1% no período. O
Brasil estava plenamente urbanizado em 1990, quando a população
urbana atingiu 75,5%, elevando-se ainda mais em 2000, para 81%.
Hoje, estima-se que a população rural corresponda a 16% do total.
A forte supremacia do "urbano" sobre o "rural", entretanto, começa a
ser discutida.
Acontece que, conforme aceita o IBGE, quem estabelece a diferença
entre esses dois contingentes é a Câmara Municipal.
A prática jurídica vem desde 1938, com Getúlio Vargas. Os edis,
simplesmente, legislam e fixam a área urbana dos municípios. O que
sobra é rural.
José Eli da Veiga, economista da USP, foi pioneiro no questionamento
desse critério jurídico. Em seu livro Cidades Imaginárias, lançado em
2002, analisa o dinamismo dos municípios brasileiros, mostrando a
relevância da economia rural sobre as cidades do interior.
Adotando a classificação da OCDE, baseada na densidade demográfica
regional, José Eli conclui que o Brasil rural envolve 4.485
municípios, com 51,6 milhões de habitantes, ou seja, quase 30% da
população. O dobro do apontado pelo IBGE.
Semelhante análise, advinda da Unicamp, no Projeto Rurbano, também
rediscute esse artificialismo jurídico que transforma em urbano o que
continua rural. As estatísticas permitem concluir que não houve
migração recente do campo para a cidade, mas, sim, ocorreu que "a
cidade invadiu o campo".
Cresce a polêmica sobre o paradigma demográfico tradicional. O BNDES,
em convênio com o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo
(Bandes), acaba de finalizar um estudo intitulado Qualicidades.
Seu propósito era analisar a gestão das cidades com ênfase na
qualidade de vida de seus habitantes.
O próprio coordenador do trabalho, o economista Luiz Paulo Vellozo
Lucas, ex-prefeito de Vitória, se surpreendeu com a conclusão do
trabalho.
As áreas urbanas mais dinâmicas, metropolizadas, pioram, enquanto as
cidades aparentemente estagnadas, agrícolas, melhoram a qualidade de
vida.
Baseada no Qualicidades,a equipe do BNDES sugere alterar a antiga
classificação polarizada entre urbano e rural, propondo quatro novas
categorias de cidades: agrorurais, agrourbanas, industriais e de
serviços. Aqui reside o foco da moderna discussão: as cidades rurais.
O paradoxo levanta uma questão fundamental: quem, e como, decide a
separação entre o urbano e o rural? A Câmara Municipal, com
interesses locais, ou o planejamento regional, contemplando o
coletivo? Vem de longe a dificuldade em compreender as relações da
agropecuária com a economia urbana. Formou-se uma cultura geral,
nucleada no raciocínio econômico, que valoriza o urbano como "melhor"
que o rural. Este, em face da corrida para as cidades, virou sinônimo
de atraso. Acabou Jeca Tatu.
Agora, com a crise das metrópoles, descobre-se que o rural pode ser
melhor, mais moderno, superior em qualidade de vida. Chegou, assim, a
hora de urbanizar o campo. Transporte, telefonia, energia, saúde,
educação, moradia: é extensa a agenda da modernidade rural.
A interiorização do desenvolvimento, puxada pela expansão do
agronegócio, renova valores esquecidos da sociedade brasileira.
Jovens preferem curtir Barretos ao Guarujá. A sunga empata com a
camisa xadrez. Estreitam-se as distâncias culturais.
Ninguém melhor que as chácaras de fim de semana e o ecoturismo
testemunha esse fenômeno de revalorização do espaço rural. Com a
facilidade na comunicação eletrônica, o computador substituirá a
estrada. O campo se imiscui na cidade. "Se as cidades perecerem e os
campos forem preservados, as cidades renascerão; mas, se os campos
forem destruídos, as cidades desaparecerão para sempre." Esta célebre
frase, atribuída a Abraham Lincoln, permanece viva.
No passado, poderia parecer heresia. Hoje, todavia, a
"desurbanização" poderá aquilatar o desenvolvimento da sociedade.
Afinal, viver no interior, ar limpo, barulho baixo, bandido distante,
comida barata, ninguém duvide, as cidades rurais são melhores.?

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