Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 08, 2005

'Ricos ficam mais pobres?' Roberto Macedo

OESP

Em 26 de novembro, a imprensa divulgou resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2004, anunciados no dia anterior pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma das manchetes (Folha de S.Paulo) me surpreendeu, pois começou afirmando que "ricos ficam mais pobres". Ora, para ficar mais pobre é preciso ser pobre, e o correto seria dizer (se fosse o caso) que os ricos ficaram menos ricos, pois no Brasil seria impensável que, como grupo, caíssem na pobreza. De qualquer forma, os resultados da Pnad-2004 diferem do que disse o referido título e também dessa outra hipótese.

Assim, levando em conta as pessoas de 10 anos ou mais, ocupadas, ela constatou que seu rendimento real médio mensal (a preços de setembro de 2004), permaneceu estável relativamente ao valor observado no ano anterior (R$ 733). Contudo, o grupo dos 50% que mostraram rendimentos menores teve em média um ganho real de 3,2%, enquanto o dos 50% restantes (de maiores rendimentos) revelou uma perda real de 0,6%.

Corretamente, esse comunicado do IBGE não fala em ricos ou pobres, pois riqueza mesmo se afere melhor pelo patrimônio, e no Brasil não há bons dados para fazer isso. Os existentes são levantados pela Receita Federal (RF), e tudo indica que os valores declarados pelos contribuintes são subestimados.

Há uma correlação positiva entre patrimônio e rendimentos, mas mesmo se ambos fossem corretamente medidos ela seria longe de perfeita. Por exemplo, uma pessoa pode ser rica porque tem um imóvel de alto valor. Mas esse imóvel pode não gerar rendimentos igualmente altos, seja porque seu aluguel é baixo ou porque está ocupado pelo proprietário. E muitos ricos têm sua riqueza na forma de participações societárias ou outras formas de riqueza que se valoriza sem necessariamente configurar maiores rendimentos recebidos, em particular no mês de referência da Pnad (setembro), pois esse mês não é tipicamente de distribuição de resultados empresariais, o que ocorre mais no primeiro semestre do ano.

Também como exemplo, há os rendimentos de fundos de investimento em ações e os financeiros. Como esses rendimentos são tributados apenas na fonte, muitas pessoas deixam de declará-los, seja à RF e, muito provavelmente, também aos entrevistadores do IBGE. E há ainda pessoas que têm altos rendimentos, mas são pobres no sentido de riqueza, pois preferem consumir tudo o que ganham, sem acumular patrimônio.

Entretanto, mesmo ponderando os dados da Pnad em face dessas observações, pode-se argumentar que os de rendimentos mais baixos correspondem razoavelmente a uma situação de pobreza no sentido patrimonial. A razão é que a pobreza pode ser definida como uma situação em que a pessoa nada acumula patrimonialmente, pois seu rendimento é muito baixo. Levando em conta que os 50% da população com menores rendimentos mostraram um valor real médio mensal de apenas R$ 222, pode-se imaginar a quase impossibilidade de poupar com esse ganho. Assim, com rendimentos médios tão baixos, em geral essas pessoas podem ser consideradas efetivamente pobres também no sentido patrimonial.

O problema maior de interpretação dos dados de rendimentos como indicadores do que aconteceu com a riqueza pessoal está na outra ponta, a dos rendimentos mais altos. Mesmo não havendo dados sobre patrimônio, há as referidas razões para acreditar que a situação dos mais ricos não esteja bem refletida por esses dados do IBGE, seja por omissão ou subestimação.

Ainda assim, de outras fontes há indicações de que os efetivamente ricos devem ter continuado tão ricos como antes ou até aumentaram seu patrimônio, pois 2004 foi um ano de grandes lucros empresariais e de juros altíssimos, cujo recebimento pelas pessoas a Pnad capta com pouca precisão, pelas razões já apontadas. Mas o que captou, então, quando, num outro corte dos seus dados, revela que no grupo de 10% do total de pessoas, formado pelas que mostraram rendimentos mais altos, houve uma queda de 1,7% no seu valor real mensal médio, de R$ 3.322, em 2003, para R$ 3.266, em 2004?

Ora, os dados da Pnad-2004 mostram que esses 10% totalizam aproximadamente 6,6% de pessoas recebendo mais de 5 até 10 salários mínimos mensais (cujo valor unitário era de R$ 260 na época do levantamento), 2,8% ganhando mais de 10 até 20 salários mínimos, e 0,9% acima de 20. Ou seja, é um grupo que na sua maior parte incluía, em setembro de 2004, o segmento com rendimentos entre R$ 1.300 e R$ 2.600 por mês.

Ora, num país de tantos pobres e riqueza altamente concentrada numa parcela pequena de ricos, o segmento com esses rendimentos está mais próximo de uma classe média. Por conta da renda e da riqueza, um traço em que essa classe se diferencia dos efetivamente ricos é que não pode deixar de trabalhar, pois seus integrantes usualmente não dispõem de patrimônio suficiente para viver da renda dele. Em geral, estes se limitam ao que poupam de aluguel quando a casa é própria e ao que, com muito sacrifício, acumulam de contribuições para aposentadoria.

Portanto, com ou sem desvios semânticos, os dados da Pnad-2004 não permitem inferir maiores considerações a respeito do que se passa com os brasileiros efetivamente mais ricos, nem em termos de seus rendimentos e muito menos de sua riqueza. "Neste país" (como gosta de dizer o presidente Lula) o que de fato acontece é que os pobres estão um pouco menos pobres nos seus rendimentos, as pessoas de classe média vêm caindo em termos de renda e de oportunidades para si e seus filhos e, em 2004, os ricos devem ter ficado tão ou mais ricos, pelas razões apontadas e não captadas pela Pnad.


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