Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 06, 2005

O que fazer? CELSO MING

OESP

A derrubada do PIB no terceiro trimestre do ano provocou traumas de várias magnitudes e, como ficou inevitável, uma acirrada discussão sobre a qualidade da política econômica adotada pelo governo Lula.

Como se espera, não há dentro do governo concordância sobre as causas da queda da atividade econômica no terceiro trimestre. O presidente do BNDES, Guido Mantega, por exemplo, está dizendo que esse forte recuo é conseqüência única da política monetária ortodoxa e restritiva. Ou seja, está dizendo que os juros subiram demais e que isso é de responsabilidade exclusiva do Banco Central. Ontem, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, foi pelo mesmo caminho. Ninguém ignora que há, dentro do governo, forte pressão para derrubar os juros a canetadas.

O Banco Central não aceita o dedo em riste de Mantega e, desta vez, respondeu a ele em nota oficial. Admite que os juros altos provocam, sim, retração da atividade econômica, mas que isso não acontece aos trancos, como aconteceu no terceiro trimestre; acontece mais ou menos suavemente.

Para os dirigentes do Banco Central, a queda acentuada do PIB no terceiro trimestre é explicada pelas expectativas equivocadas da indústria. No início do ano apostou na forte expansão do consumo; o consumo se retraiu no segundo trimestre e deixou pilhas de estoques; e, no terceiro trimestre, a indústria preferiu reduzir a produção para desovar estoques - como aconteceu com segmentos inteiros do setor de aparelhos domésticos, que deram férias coletivas em setembro. No quarto trimestre, a história já é outra, completam os dirigentes do Banco Central.

Apesar dessas razões, um expressivo número de economistas, como Gustavo Loyola, Eliana Cardoso, Yoshiaki Nakano, Luiz Carlos Bresser Pereira e Affonso Celso Pastore, está convencido de que o Banco Central errou na dose dos juros. O Banco Central responde que só se poderia falar em erro de dose se a inflação estivesse abaixo da meta de 5,1%. Como ela está embicando para 5,6%, segue-se que não houve erro de dose.

A verdadeira discussão, no entanto, é outra. Consiste em saber se a sociedade está disposta a pagar o preço para obter uma inflação de 5,1% neste ano e de 4,5% no ano que vem. Aparentemente, entendia que a derrubada da inflação dos 7,6%, a que chegou em 2004, para os 5,6% de 2005, seria mais facilmente suportável do que está sendo.

O preço é um pacote com quatro contas: (1) são os juros básicos mais altos do mundo, em torno de 13% ao ano, descontada a inflação; (2) a operação enxuga-gelo na dívida, na medida em que cada 1% de juros aumenta a dívida em cerca de R$ 8 bilhões e obriga a incorporar ao estoque da dívida o total da despesa com esses juros; (3) um câmbio que tende a derrubar a cotação do dólar, embora os juros altos não sejam a principal causa do dólar fraco; e (4) um PIB raquítico, não só no terceiro trimestre do ano, mas ao longo dos últimos três anos, quando o País cresceu à média de 2,4% ao ano.

Enfim, é preciso decidir ou pelo alívio nos juros, o que traria mais crescimento, mas com provável esticada da inflação; ou pela manutenção da retranca monetária com algum sacrifício do crescimento econômico agora para garantir no futuro crescimento sustentado.

São raros os economistas que sugerem a derrubada dos juros à base de canetadas, porque sabem o prejuízo que isso traria para a credibilidade do Banco Central e para a economia, com o retorno da inflação. A maioria dos que pedem uma correção de rumos - e estes estão certos - defende a queda dos juros, sim, mas concomitantemente com a redução forte das despesas públicas (aumento do superávit primário), mais ou menos dentro da proposta do déficit nominal zero feita pelo ex-ministro Delfim Netto. Mas essa proposta esbarra nos partidários do aumento do gasto público, hoje liderados pela ministra Dilma Rousseff. O presidente Lula terá de arbitrar essa briga.

Afora isso, é preciso remover as distorções no mercado do crédito e as enormes diferenças entre o tamanho dos juros praticados nos vários segmentos e remover, também, os obstáculos que tiram eficácia da política de juros no combate à inflação. E aí já estamos questionando por que os juros básicos (Selic) têm de continuar remunerando cerca de 60% da dívida pública.

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